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quarta-feira, fevereiro 15, 2017

John Adams, 70 anos

JOHN ADAMS
[FOTO: Chris Bannion]
Figura fundamental do minimalismo americano, John Adams é um daqueles compositores que nos ajuda a compreender a passagem dos clássicos para os modernos e, desse modo, a singular e, por assim dizer, paradoxal presença dos primeiros nos segundos.
Entre os trabalhos mais célebres da sua imensa obra (piano, orquestra, música coral, etc.) inclui-se a ópera Nixon in China (1987), sobre a visita de Richard Nixon à China, em 1972, e On the Transmigration of Souls (2002), lembrando os que morreram nos atentados de 11 de Setembro de 2001 (Pulitzer de Música em 2003). Recorde-se que, em 2009, várias das suas composições foram escolhidas por Luca Guadagnino para integrar a banda sonora do seu filme Eu Sou o Amor.
Adams nasceu em Worcester, Massachusetts, no dia 15 de Fevereiro de 1947 — faz hoje 70 anos. Em jeito de parabéns, escutemos a sua peça Short Ride in a Fast Machine, de 1986, numa interpretação da San Francisco Symphony, sob a direcção de Michael Tilson Thomas.

domingo, setembro 06, 2015

A música de John Adams
volta a soar em São Francisco


O período habitualmente descrito como “minimalista” na obra de John Adams, que podemos localizar entre finais dos anos 70, com expressão maior (e final) na ópera Nixon in China (de 1987) assinalou um tempo de intensa ligação do compositor à San Francisco Symphony Orchestra que assegurou então, entre outras, as estreias de peças fulcrais desses tempos como Harmonium (1981) ou Harmonielehre (1985). Datam também dessa época primeiros contactos com o maestro Michael Tilson Thomas que, em 1983, assegurou a estreia mundial de um arranjo para cordas de Shaker Loops. Três décadas depois foi a John Adams que Tilson Thomas e a San Francisco Symphony (que o maestro dirige desde 1995) pediram uma nova obra para integrar o centenário da formação desta orquestra californiana. Surge assim Absolut Jest que agora, em conjunto com o “clássico” Grand Pianola Music (outra das peças maiores da fase minimalista) representam a mais recente edição em disco assegurada pela editora da própria San Francisco Symphony Orchestra, três anos depois de uma aclamada gravação deHarmonielehre e Short Ride in a Fast Machine, que valeu inclusivamente ao maestro e músicos um Grammy para Melhor Performance Orquestral.

Absolut Jest é a “novidade” nesta que representa a primeira gravação mundial desta obra orquestral estreada em 2012 e que depois fez estrada integrada no programa da digressão da orquestra que teve lugar pouco depois. Inspirada nos scherzos dos últimos quartetos de cordas de Beethoven, Absolut Jest representa uma reflexão contemporânea e claramente marcada pelos pontos de vista do compositor sobre ecos dessas memórias. Um pouco como Nyman fez com Mozart em Drowning By Numbers e In Re Don Giovanni ou Glass com Bowie nas sinfonias inspiradas nos álbuns Low e Heroes, Adams escuta e integra na sua música ecos da escrita de outros, refletindo sobre esse material musical mas sob o seu prisma. Neste caso escuta a música de Beethoven, promovendo em alguns instantes momentos em que essa matéria prima original quase parece irromper entre a escrita para orquestra e quarteto de cordas – neste caso concreto o St. Lawrence String Quartet -, como que se o passado que inspira se quisesse materializar entre o presente onde a nova criação está a acontecer.

Esta primeira gravação de Absolut Jest não ofusca em nada a peça que completa o alinhamento do disco. Originalmente estrada em 1982 (precisamente pela mesma orquestra), Grand Pianola Music é uma das mais interessantes obras da fase minimalista de Adams e tem aqui talvez a sua melhor gravação. Registada em disco em já várias ocasiões – por Ransom Wilson e o coletivo Solisti New York (EMI, 1984), pela London Sinfonietta (Nonesuch, 1994) e o Netherlands Wind Ensemble (Chandos, 1995) – Grand Pianola Music é um bom exemplo de como a paisagem e vivências de um americano no seu tempo foi determinante na construção de uma obra que ajudou a definir um dos espaços mais marcantes da história da música orquestral norte-americana. A ideia para Grand Pianola Music emergiu em plena auto-estrada, na qual o compositor seguia quando avistou duas limousines que se aproximaram e o passaram. O momento fê-lo imaginar que os dois longos carros se pudessem transformar em pianos com teclados gigantescos, convocando essa imagem a memória dos dias em que passava pelos corredores do conservatório ouvindo uma multidão de 20 ou mais pianos, em aula, a tocar em conjunto música de Chopin, de Beethoven ou Rachmaninov. Criada para pianos, vozes femininas, madeiras, metais e percussão, Grand Pianola Music merecerá, finalmente através desta interpretação, um merecido lugar de evidência na história musical de John Adams e do próprio minimalismo norte-americano.

Tal como no disco de 2012 estão aqui motivos mais do que suficientes para não só encontrarmos aqui um dos melhores registos de música clássica de 2015 como para maestro e orquestra vencerem novos prémios com a música de John Adams. Não é também por acaso que, cada vez mais, este é visto também como um dos compositores norte-americano mais representativos do nosso tempo.

terça-feira, outubro 21, 2014

Para ler: Ainda sobre a ópera de John Adams,
chega a resposta do Met

É um dos casos do ano nos palcos de ópera. Levantada a "polémica" (por quem a entendeu levantar), o Met responde aos "protestos"...

Podem ler aqui texto de hoje no Guardian.

segunda-feira, outubro 20, 2014

Para ler: Ópera de John Adams no Met
estreia hoje sob protestos

Um perfeito disparate, digo eu, sobre os protestos que, ao que parece, vão hoje "acolher" a estreia no Met de uma nova produção da magnífica ópera The Death of Klinghoffer, de John Adams. O "caso" já dura há meses e resultou no cancelamento da transmissão da ópera no programa Met Opera in HD, que a Gulbenkian chegou a ter agendado.

Podem ler sobre estes protestos aqui, em notícia do New York Times.

sábado, julho 26, 2014

Música para um homem do futuro


Esta semana os Pet Shop Boys apresentaram no Royal Albert Hall uma biografia musical de Alan Turing, integrada na programação dos Proms. Este texto é uma versão alargada de um artigo publicado na edição de 25 de julho do DN.

Uma biografia musical com a figura de Alan Turing como protagonista apresentada esta semana representou um dos momentos altos da programação dos Proms, série de concertos que anualmente ocupam uma etapa da programação de verão de concertos de música clássica Londres (tendo o Royal Albert Hall como o seu principal palco). Com o título A Man From The Future, o musical tem como autores os Pet Shop Boys e assinala mais um momento de cruzamento de experiências entre formas habitualmente mais habitadas pela música clássica com figuras com carreira sobretudo feita nos domínios da música popular, juntando-se assim a óperas recentes de nomes como os The Knife, Damon Albarn (a solo ou com Jamie Hewlett), Herbert ou Rufus Wainwright.

Célebre por ter decifrado códigos encriptados dos alemães durante a II Guerra Mundial, o matemático Alan Turing (1912-1954) ficou também na história como vítima de um tempo em que a homossexualidade era criminalizada no Reino Unido, tendo sido sujeito a castração química como alternativa à prisão na sequência de um processo judicial que o acusou de indecência em 1952. Gordon Brown concedeu-lhe um pedido póstumo de desculpa em 2009, ao que se seguiu, já em finais de 2013, um perdão assinado por Isabel II.

Os Pet Shop Boys, que ao longo da sua carreira criaram já dois musicais, uma banda sonora alternativa para o filme mudo Couraçado Potemkin de Sergei Eisenstein e assinaram a música de um bailado, tomaram consciência da história de Turing nos anos 80, através da peça de teatro Breaking the Code. O interesse foi reativado em 2011 por um documentário televisivo, que os levou à biografia Alan Turing: The Enigma, de Andrew Hodges.

The Man From The Future, que se apresenta como uma biografia musical em oito partes para orquestra, electrónicas, coro e narrador, nasceu de uma colaboração com este seu biógrafo, que contactaram e que colaborou na escrita do libreto. O perdão real para Turing levou-os a reescrever o final da obra, refletindo o final da peça (sob um aparato musical épico) que Turing foi uma exceção e que há ainda muitos outros condenados, alguns ainda vivos, à espera de igual pedido de desculpa.

A BBC (que programa e transmite os Proms) resolveu incluir este trabalho dos Pet Shop Boys como um dos Late Night Proms deste ano, sendo que não é a primeira vez que há músicos vindos de terrenos pop/rock a surgir no programa (essa estreia coube, em 1970, aos Soft Machine – estando documentada em álbum ao vivo editado em 1988). Além do musical sobre Turing, o ‘Prom’ dos Pet Shop Boys juntou ainda quatro canções suas (Vocal, Love is a Catastrophe, Later Tonight e Rent) em arranjos orquestrais de Angelo Badalamenti, na voz de Chrissie Hynde e a interpretação da abertura de Performance, o espetáculo que levaram em digressão em 1991.

Alan Turing
Se mediaticamente Alan Turing é lembrado por ter decifrar códigos durante a II Guerra Mundial – facto que parece estar no centro das atenções de The Imitation Game filme de Morton Tyldum e protagonizado por Benedict Cumberbatch que terá estreia em outubro no festival de Londres - o trabalho deste matemático britânico na verdade teve uma importância profunda na teoria da computação e inteligência artificial. O seu trabalho na descodificação de códigos dos alemães valeu de Churchill um elogio que nele apontou um dos mais importantes contributos individuais para a vitória aliada. Depois da guerra desenvolveu importante trabalho científico no National Physical Laboratory, tomando depois um lugar na Universidade de Manchester. Menos de dois anos depois do julgamento que o obrigou a uma castração química (sob acusação de homossexualidade), Turing morreu em 1954, com apenas 41 anos (por envenenamento com cianeto), não sendo unânime que se tenha tratado de um suicídio. Desde 1966 é anualmente entregue o Turing Prize para assinalar contribuições técnicas e teóricas na ciência da computação.


Quando a música lembra homens da ciência

A biografia musical de Alan Turing apresentada esta semana em Londres pelos Pet Shop Boys é mais um exemplo de atenção de peças musicais que tomam figuras da ciência e o seu trabalho como inspiração. Aqui ficam mais alguns exemplos:

Philip Glass. Einstein on The Beach é um dos exemplos de obras do compositor norte-americano que tomam uma figura da ciência por protagonista. Estreada em 1976 esta ópera é uma referencia na história da música do século XX. Mais recentemente Glass dedicou também óperas a figuras como Johannes Kepler e Galileu Galilei. Respetivamente ligadas a estes dois últimos, as óperas Kepler e Galileu Galilei foram já editadas em disco (Kepler tendo conhecido também lançamento em DVD).

John Adams. À exceção de A Flowering Tree, as óperas já apresentadas por John Adams têm focado factos e figuras reais do século XX, como a visita de Nixon à China em 1972 ou o assalto ao navio Achille Lauro na década de 80. Em Dr. Atomic (estreada em 2005) evocou a figura de Oppenheimer numa narrativa que tinha por cenário a base de El Alamo na véspera do primeiro teste nuclear.

The Knife. A dupla sueca The Knife iniciou a sua carreira na pop electrónica. No seu álbum mais recente apresentaram uma faceta ativista focada em questões como a identidade de género ou a divisão mais justa da riqueza. Em Tomorrow In a Year (2010) experimentaram o espaço da ópera tendo então focado a vida e o pensamento de Darwin.

Kraftwerk. A música pop já passou muitas vezes por figuras da ciência. Einstein, por exemplo, foi abordado pelos Landscape em Einstein a Go Go e os Big Audio Dinamyte em E=mc2. Em Radioactivity (1975), tema-título do álbum que sucedeu ao historicamente marcante Autobahn, os Kraftwerk citam as figuras de Pierre e Marie Curie.

quarta-feira, julho 23, 2014

Três meses, três discos (clássica)


Continuando a revisitar o que de melhor surgiu no segundo trimestre de 2014, passamos hoje pelos espaços da música clássica. Na verdade o que temos aqui são até obras do século XXI e um olhar por um nome do século XX que vale a pena conhecer melhor. Do nosso presente chega-nos Retrospective, uma caixa que junta em quatro discos a obra editada de Max Richter entre a sua estreia em Memoryhouse (2001) e a mais recente criação para a série Re-Composed da Deutsche Grammophon. Também bem recente é La Commedia, a mais recente ópera do compositor holandês Louis Andriessen, que resulta de uma colaboração com o cineasta Hal Hartley. Do século XX devemos assinalar um disco onde Gidon Kremer recupera uma série de peças de música de câmara e uma das sinfonias do compositor russo (de berço polaco) Mieczyslaw Weinebrg.

Das edições deste trimestre assinalem-se ainda novas gravações de City Noir, de John Adams e de The Sinking of The Titanic, de Gavin Bryars, assim como a estreia em disco de Richard Reed Parry, músico que muitos conhecerão mais do seu trabalho nos Arcade Fire.

domingo, julho 06, 2014

Memórias do 'noir' e do jazz
num retrato de Los Angeles

John Adams
'City Noir'
St. Louis Symphony, dir. David Robertson
CD, Nonesuch

Foi com uma obra de John Adams que Gustavo Dudamel assinalou a sua estreia como diretor artístico da Los Angeles Philharmonic em 2009. A noite tinha uma Sinfonia Nº 1 de Mahler como prato principal, mas a primeira parte do programa propunha uma outra estreia: a de uma nova obra de John Adams expressamente encomendada para aquela ocasião. Tratava-se de City Noir, uma evocação de tempos idos em Los Angeles, sob ecos anos 40 encontrados tanto nas memórias do film noir como no jazz. Completando um tríptico de retratos da Califórnia (onde o compositor vive desde os anos 80) que antes visitara já em The Dharma at Big Sur e El Dorado, City Noir é tanto um herdeiro natural da respiração jazzística que a música orquestral começou a descobrir há quase um século com Gershwin, mas também (e como o próprio compositor aponta) uma descendência de diálogos semelhantes vividos pela música de Darius Milhaud. 

Com primeira gravação (ao vivo) na interpretação da Los Angeles Philharmonic, com Dudamel – editada na série de lançamentos digitais da Deutsche Grammophon, mas também em DVD – City Noir conhece nova (e belíssima) abordagem nesta leitura pela St. Louis Symphony, dirigida por David Robertson, que explora tão bem o lirismo do final do segundo andamento como a pulsão vibrante do ritmo da cidade que visita no terceiro, a presença das referências e a devida exploração das sonoridades dos metais valorizando igualmente mais um exemplo claro do talento de um dos maiores compositores do nosso tempo. 

Este encontro dialogante entre as sonoridades do jazz e da música orquestral tem outra expressão igualmente viva no Concerto para Saxofone, que completa o alinhamento deste lançamento da Nonesuch. O concerto tem como solista nesta sua primeira gravação o saxofonista Timothy McAllistair, para quem de resto foi composto na sequência da sua contribuição numa interpretação de City Noir. Ecos de uma vivência antiga entre a sonoridade do saxofone (o instrumento que tocava o pai do compositor) e do jazz num todo são aqui presença integrada (mas discreta) na escrita, que a interpretação depois valoriza. Por outro lado há aqui todo um conjunto de outras experiências convocadas, entre elas uma certa pulsão rítmica com alma Stravinskyana que alarga mais ainda a paleta da cores visitada.

Para que não haja dúvidas: está aqui um dos grandes lançamentos de música clássica de 2014.

segunda-feira, junho 23, 2014

Para ler: Met cancela transmissão
de ópera de John Adams


A transmissão em direto do Met da ópera The Death of Klinghoffer, de John Adams, prevista para 15 de novembro (e que integrava o programa Met Live em HD da Gulbenkian), foi cancelada. Estreada em 1991, esta foi a segunda ópera do compositor norte-americano, sucedendo a Nixon in China (1987). The Death of Klinghoffer tem novamente a história recente como pano de fundo, nomeadamente o sequestro, em 1985 do navio Achille Lauro por um grupo terrorista e a morte de um passageiro judeu que seguia a bordo. O cancelamento da transmissão (a produção em palco mantém-se) gerou entretanto uma série de reações, não só por parte do Met e do compositor como de outras figuras e instituições, que ora discutem a reação do teatro nova-iorquino ora as acusações de anti-semitismo lançadas sobre a ópera.

Opinião publicada no The Guardian aqui.
Aqui a resposta do compositor, publicada no NY Times.
E aqui um editorial do NY Times.

Oportunamente será apresentada uma outra ópera em substituição desta no calendário das transmissões do Met. É uma pena que seja retirada à temporada 2014/15 aquela que seria uma das suas mais cativantes propostas. 

domingo, abril 13, 2014

Três meses, três discos (clássica)


Continuando a fazer um balanço do que marcou os três primeiros meses do ano, hoje passamos pelas edições de discos de música clássica. Em comum os três títulos que destaco partilham o facto de serem lançados pela mesma editora – a Deutsche Grammophon – um deles sendo contudo uma antologia. Começo por destacar o álbum que tem como protagonista Bryce Dessner, músico que até aqui conhecíamos sobretudo através do seu trabalho nos The National e que a uma obra sua junta uma outra de Johnny Greenwood, guitarrista dos Radiohead que tem também trabalhado em música para cinema.

Sobre este disco escrevi aqui: “Apesar de uma certa tradição autodidata que domina muitas das histórias pessoais de tantos músicos em terreno pop/rock, a verdade é que tanto Bryce Dessner como Johnny Greenwood têm formação clássica. Bryce tem na verdade um mestrado em música em Yale e durante a sua formação encontrou importantes referencias em obras de figuras como Morton Feldman ou Steve Reich. Além do trabalho com os The National tem também colaborado com os Bang on a Can e o Kronos Quartet. O seu St Carolyn by the Sea (título inspirado pela escrita de Kerouac), que aqui se apresenta em gravação pela Orquestra Filarmónica de Copenhaga, dirigida por Andre de Ridder é uma obra orquestral de grande fôlego que cruza heranças que cão dos românticos a espaços da música orquestral do século XX (de Bartók a Glass) e, sem abdicar da presença da guitarra (na verdade há duas guitarras em cena – interpretadas por si e pelo seu irmão Aaron – e são mesmo a medula desta obra originalmente encomendada como um concerto para duas guitarras elétricas para a American Composer’s Orchestra) nem de um interesse pela melodia, expressa personalidade e demarca-se dos territórios habitualmente por si visitados nos The National. Johnny Greenwood, por seu lado, explora aqui uma derivação direta do seu trabalho de composição para cinema, apresentando uma suite baseada na música intensa e cromaticamente rica, herdeira tanto de Ligeti como de Predrecki, que criou para o filme Haverá Sangue, de Paul Thomas Anderson.”

Depois vale a pena assinalar a estreia mundial de The Passion Acording To The Other Mary, uma obra coral nova de John Adams, numa gravação pela Los Angeles Philharmonic, sob direção de Gustavo Dudamel.

Deste álbum disse aqui que: “A obra tem como base um libreto assinado por Peter Selllars, colaborador regular de John Adams (peça central em Nixon in China, a primeira ópera do compositor, estreada em 1987). Sellars juntou textos de origens diversas, passando por autores como Dorothy Day, Louise Erdrich, Primo Levi, Rosario Castellanos, June Jordan, Hildegard von Bingen ou Rubén Darío, além claro está das palavras do Velho e do Novo Testamento. A oratória foca atenções na Paixão de Cristo, mas procura um ponto de vista algo diferente escutando sobretudo as vozes de duas mulheres (...), nomeadamente Maria Madalena e Marta, a irmã de Lázaro. Musicalmente a oratória segue os caminhos estimulantes que a música orquestral e vocal de Adams tem seguido nos últimos anos, aliando um belíssimo trabalho do canto a uma noção de espaço acolhedor (e capaz de suportar intenções dramáticas) na cenografia ao seu redor, apesar de pontualmente revisitar ecos mais próximos das heranças minimalistas da sua obra nos oitentas no modo como usa ocasionalmente figuras repetitivas. Num dos momentos de clímax dramático uma aproximação a formas ligetianas contribui para novo alargamento das linhas e cores com que a música de Adams aqui se renova e desafia”.

A terceira referencia surge com o primeiro volume de uma recolha antológica das gravações de Leonard Bernstein para a editora, numa caixa com 59 CD e um DVD.

E sobre esta caixa escrevi aqui: “Há antologias e antologias... Mas esta bate as demais aos pontos. Não apenas pela dimensão (inclui 59 CD, um DVD, um livro, e tudo isto numa caixa com as dimensões da capa um álbum de vinil), como também pelo protagonista que coloca na berlinda e a vastidão de obras (épocas e formas) que as gravações aqui documentam. Apresentada como The Leonard Bernstein Collection – Volume One, esta caixa antológica enceta assim uma revisão do catálogo que o compositor e maestro norte-americano registou no período em que esteve ligado à Deutsche Grammophon (sendo importante referir aqui que outra etapa significativa do seu percurso discográfico foi registada pela Columbia Records, etiqueta hoje integrada na Sony Music).”

domingo, março 16, 2014

Um outro ponto de vista sobre a 'Paixão'


Aquele que é certamente um dos maiores lançamentos discográficos de 2014 assinala mais um episódio de colaboração entre o compositor John Adams e o maestro Gustavo Dudamel. Adams compôs City Noir para o concerto de estreia de Dudamel como diretor da Los Angeles Philharmonic, obra que teve edição em suporte digital em áudio e, depois, em DVD (em The Inaugural Concert, onde se juntava a esta obra a Sinfonia Nº 1 de Mahler que representava a peça central do programa dessa noite). Compositor e maestro voltam agora a estar juntos em The Gospel According To The Other Mary, um oratório para orquestra, solista e coro que John Adams estreou há cerca de dois anos e que assim conhece estreia em disco nesta edição pela Deutsche Grammophon.

A obra tem como base um libreto assinado por Peter Selllars, colaborador regular de John Adams (peça central em Nixon in China, a primeira ópera do compositor, estreada em 1987). Sellars juntou textos de origens diversas, passando por autores como Dorothy Day, Louise Erdrich, Primo Levi, Rosario Castellanos, June Jordan, Hildegard von Bingen ou Rubén Darío, além claro está das palavras do Velho e do Novo Testamento. A oratória foca atenções na Paixão de Cristo, mas procura um ponto de vista algo diferente escutando sobretudo as vozes de duas mulheres por vezes secundarizadas, nomeadamente Maria Madalena e Marta, a irmã de Lázaro.

Musicalmente a oratória segue os caminhos estimulantes que a música orquestral e vocal de Adams tem seguido nos últimos anos, aliando um belíssimo trabalho do canto a uma noção de espaço acolhedor (e capaz de suportar intenções dramáticas) na cenografia ao seu redor, apesar de pontualmente revisitar ecos mais próximos das heranças minimalistas da sua obra nos oitentas no modo como usa ocasionalmente figuras repetitivas. Num dos momentos de clímax dramático uma aproximação a formas ligetianas contribui para novo alargamento das linhas e cores com que a música de Adams aqui se renova e desafia. 

Esta é assim uma importante contribuição para a história (em estado de work in progress) da música coral do século XXI e junta-se à igualmente pungente La Pasión Según San Marco de Oslavdo Golijov para mostrar como textos e heranças remotas podem conhecer novas (e inovadoras) abordagens no nosso tempo.

quinta-feira, janeiro 23, 2014

Gustavo Dudamel dirige John Adams

Depois de uma gravação de City Noir, obra de John Adams que Gustavo Dudamel dirigiu na sua primeira noite à frente da Los Angeles Philharmonic, uma nova colaboração entre ambos vai em breve ver a luz do dia. Trata-se de The Gospel According To The Other Mary, obra coral de John Adams que terá estreia em disco num registo pela Los Angeles Philharmonic e o Los Angeles Master Chorale, dirigidos pelo maestro venezuelano. Como solistas apresentam-se Kelley O'Connor, Tamara Mumford e Russel Thomas. A edição, pela Deutsche Grammophon, está agendada para 10 de março.

domingo, dezembro 08, 2013

Novos olhares pela música de John Adams

Há pouco mais de um ano uma gravação de Harmonielehre surgia em disco resultado de uma interpretação da San Francisco Symphony Orchestra (sob direção de Michael Tilson Thomas), na verdade a mesma orquestra que há cerca de três décadas assegurara a estreia em disco desta mesma obra fulcral não apenas na carreira de John Adams mas no próprio mapa mundo do minimalismo. Claramente visíveis em parte da obra de Adams nos anos 80 (nomeadamente também na ópera Nixon in China, de 1987), os ecos do minimalismo servem aqui de base para uma linguagem orquestral que alargava todavia os horizontes a outras experiências (e outra demanda de liberdade). Depois das peças fundadoras dos quatro pilares do movimento – Young, Riley, Reich e Glass – esta obra orquestral de John Adams representava, um pouco como o fizeram na época algumas outras experiências orquestrais de Philip Glass e expressões europeias destas ideias, entretanto assimiladas por outros compositores, um momento de busca de caminhos novos e desafiantes, reencontrando igualmente ecos de experiências e tradições orquestrais mais remotas. Com o tempo a obra de John Adams ganhou outro fôlego e fulgor, desbravou outros terrenos, incorporou ecos de outras tradições orquestrais americanas, explorou memórias de figuras (e casos políticos), afirmando-se hoje como uma das mais pessoais, importantes e marcantes entre os demais compositores vivos. 
Um reencontro com Harmonielehre é uma das propostas do alinhamento de um novo disco que assinala um feliz encontro entre a música de John Adams e as evidentes capacidades interpretativas da Royal Scottish National Orchestra, sob direção de Peter Oundijan. O alinhamento junta ainda a pequena fanfarra orquestral Short Ride In a Fast Machine, originalmente criada em meados dos anos 80. E junta a mais recente Doctor Atomic Symphony (2007), uma sinfonia em apenas um andamento (e talvez por isso várias vezes comparada com a “sétima” de Sibelius) que surge diretamente de um rearranjo de material musical nascido com a ópera Doctor Atomic, na qual Adams retrata a figura de Oppenheimer, tendo como cenário a base de Los Alamos e o local de teste da primeira detonação nuclear. O conflito do homem com a descoberta e as suas consequências, o debate entre a ciência e a utilização que pode ser dada ao que originalmente nasce como uma conquista do conhecimento, são fontes de tensão que a ópera explora, focando em concreto as dúvidas da figura de Oppenheimer. Tensões que esta sinfonia expressa, arrumando em três sequências – The Laboratory, Panic e Trinity – espaços orquestrais que trazem da ópera a alma que a assombra, mas aqui ganham vida própria.

sábado, março 09, 2013

Políticos num palco de ópera (parte 4)

Este texto é parte de um artigo que foi originalmente publicado na edição de 16 de fevereiro do suplemento Q., do Diário de Notícias, com o título: Richard Nixon e Mao Tse-Tung: Um choque de titãs num palco de ópera.

A ópera Nixon in China apresenta-se dividida em três atos, o primeiro com três cenas, o segundo com duas e o terceiro, mais curto, com apenas uma. No primeiro ato acompanhamos a chegada do Air Force One a Pequim, o encontro com Mao (que um dos diplomatas ali presentes descreveu mais tarde como sendo bastante fiel na representação que a ópera propõe), onde se juntam o desejo de pragmatismo de Nixon e as palavras num plano mais filosófico do estadista chinês, terminando depois com um grande banquete em honra dos visitantes. No segundo ato seguimos as visitas de Pat Nixon a escolas e zonas rurais chinesas e o pungente confronto entre realidade e ficção na ocasião de uma representação de um bailado com alma de propaganda ao fim do qual irrompe a figura (e a força) de Jiang Qing, numa das mais inesquecíveis árias da história da ópera contemporânea. O terceiro ato mostra os protagonistas nos seus respetivos quartos, da intimidade nascendo reflexões que revelam a face interior de todos eles, os seus medos, desejos e, no fim, as suas grandes dúvidas.

A edição em CD de 1987
Nixon in China teve estreia em outubro de 1987 na Houston Grand Opera, naquela que Adams viu como uma aposta arriscada de David Gockley, o jovem diretor da companhia que tinha encomendado a obra a um compositor que “nunca tinha escrito uma nota para uma voz, muito menos uma opera”(34). O barítono James Maddalena criou então a figura de Nixon, que retomaria em várias produções posteriores, entre as quais a que recentemente o Met apresentou em Nova Iorque (e agora é editada em Blu-Ray e DVD). Um outro barítono, Sanford Sylvian, igualmente ativo até então apenas em produções locais, vestiu a pele de Chou En-lai. Carolann Page foi a Pat Nixon da estreia, cabendo a Trudy Ellen Craney o papel de Madame Mao, cuja ária de coloratura I Am the Wife of Mao Tsé-tung se transformaria desde logo num dos momentos maiores da obra. Com a orquestra de St Luke’s, sob direção de Edo de Waart, este elenco surgiria ainda em 1987 na primeira gravação em disco de Nixon In China, editado no formato de triplo CD pela Nonesuch. A produção de Houston foi anda registada em vídeo para a série Great Performances do canal público TV PBS, tendo a emissão televisiva contado com apresentação do jornalista veterano Walter Cronkite, então já retirado.

O próprio Richard Nixon foi convidado para a estreia e chegou a receber um libreto, mas, através de um elemento do seu staff, avisou que não estaria presente por razões de saúde e também pela necessidade de assegurar a publicação iminente de um texto de sua autoria. Um antigo advogado do ex-presidente disse depois a John Adams que Nixon seguia habitualmente o que sobre ele se publicava, pelo que terá provavelmente assistido à transmissão televisiva da ópera através do PBS.

Segunda gravação, em 2009
A imprensa não ficou particularmente impressionada com as primeiras apresentações que alternaram naquele teatro texano com uma produção da Aida de Verdi. Mas com o tempo, Nixon in China foi cativando opiniões. E recebeu mais do que as habituais apresentações de uma nova ópera, tanto que pouco depois passaria por Brooklyn (em Nova Iorque), Amsterdão, Paris, Edimburgo, Los Angeles e Frankfurt. O público reagia e Adams surgia em artigos de revistas com a People. O nome da ópera aparceria depois em palavras cruzadas (35). Uma segunda gravação em disco surgiria em 2009 no catálogo da Naxos. Longe da excelência do original, esta segunda gravação brilha mais pela condução da Colorado Symphony Orchestra pela maestrina Marin Alsop do que pelo elenco (desigual) onde encontramos Robert Orth no papel de Nixon, Maria Kanyova como Pat, Che-Ye Yuan como Chou En-lai e Trady Dahl como Madame Mao.

A nova edição em Blu-Ray e DVD da produção – novamente encenada por Peter Sellars – que o Met apresentou na sua temporada passada assinala o reencontro de James Maddalena com o papel de Nixon e conta no elenco com Janis Kelly (Pat Nixon), Richard Paul Fink (Henry Kissinger), Robert Brubaker (Mao Tsé-tung), Kathleen Kim (Jiang Qing) e Russell Braun (Chou En-lai). O próprio John Adams dirige a orquestra do Met nesta que corresponde assim à terceira gravação de Nixon in China nos poucos mais de 25 anos de vida da ópera. Como o próprio Peter Sellars explicou no intervalo da transmissão exibida pela Gulbenkian (e que a nova edição regista), muito mudou sobre o conhecimento que os ocidentais têm da China desde o dia em que se deu a histórica viagem de 1972 e a própria estreia da ópera em 1987. O encenador aponta, por exemplo, a memória dos incidentes na Praça Tiananmen. “Madame Mao foi julgada e suicidou-se anos depois quando cozia botões nos olhos de bonecas de pano. O médico de Mao publicou um livro lúgubre e apavorante emq ue deu detalhes sobre as orgias de morte, sexo e solidão na Cidade Proíbida dos últimos anos” de Mao, “incluindo a sua vingança final contra Chou En-lai, recusando-lhe os medicamentos para um tumor na bexiga, assegurando assim que morreria antes de si”, relata o próprio Peter Sellars no booklet que acompanha esta edição.

John Adams, por seu lado, descreve, no mesmo booklet, a China de hoje como “uma sociedade estranha e esquizofrénica, uma economia capitalista com um desejo incontrolado de crescimento. Mas, politicamente, ainda um país comunista, com uma ditadura partidária marxista à moda antiga”. Sellars acrescenta que o jogo económico mudou num quarto de século. “A China é hoje o banqueiro e o dólar americano está dependente de si. Ao mesmo tempo, o capitalismo desastroso, sem querer fazer os chineses iguais a nós, está a tentar encontrar como fazer do Oeste algo mais parecido com a China – com menos liberdades, menos direitos, maior produtividade e ordenados mais baixos”(36).

(34) in John Adams, Hallelujah Junction (Faber & Faber, 2008), pág. 141.
(35) idem, pág. 146.
(36) in booklet do Blu-Ray/DVD da produção do Met para Nixon in China.

domingo, março 03, 2013

Políticos num palco de ópera (parte 3)

Foto: Ken Howard / Metropolitan Opera
Este texto é parte de um artigo que foi originalmente publicado na edição de 16 de fevereiro do suplemento Q., do Diário de Notícias, com o título: Richard Nixon e Mao Tse-Tung: Um choque de titãs num palco de ópera. 

Quando John Adams reconheceu que a sugestão lançada por Sellars em 1983 era uma ideia a trabalhar, entendeu que estava chegada a altura de criar uma nova mitologia no quadro da história contemporânea, tal e qual ele mesmo o confessou em entrevista a Elena Park, para a Playbill, republicada agora no booklet da edição em DVD e Blu-ray da produção de Nixon In China que o Met apresentou. John Adams defende ali que os americanos vivem obcecados com a figura do Presidente porque “é aquele que encarna a psique, a alma nacional. Tanto o lado negro – a paranoia e tendência para abusar do poder – como o idealismo e curiosidade”, sublinha John Adams (27), para quem tanto Nixon como Mao “eram como personagens de cartoons políticos criadas pelos próprios”. O compositor descreve Mao como um homem culto, literato, que talhou a persona política do camponês-filósofo de pés bem assentes na terra e que era também um estratega militar. Já Nixon, como ele mesmo o diz, “imaginava-se como o representante da ‘maioria silenciosa’ da América média” (28).

John Adams imaginou assim Nixon In China como traduzindo um choque de ideologias. No booklet desta nova edição explica ainda que “Nixon representava a economia de mercado, a ideia de que não há nada na vida que não tenha um preço”. Mao era, por seu turno, a voz “do Estado social in extremis, a ideia de que ninguém tinha de passar fome e ningém devia tornar-se nojentamente rico, mas que, se não seguir o plano, é dispensável”. A ópera foca, como sublinha, “um tempo em que o comunismo era ainda visto como a principal ameaça aos valores liberais ocidentais”(29).

Segundo sugestão de John Adams, que queria um libreto escrito por um poeta, Sellars sugeriu que chamassem Alice Goodman, uma antiga colega dos seus dias passados em Harvard. O primeiro encontro a três aconteceu, curiosamente, no Kennedy Centre, em Washington D. C.. Adams recorda que, sob a administração Reagan e sob o “gosto do presidente”, a presença de Sellars e de ideias para um “público sofisticado” faziam dificilmente do American National Teatre o local ideal para o trabalho do encenador, que havia sido nomeado para aquele lugar em 1984 e, por isso, estava então frequentemente na capital. Mas preparar “a história de Nixon in China dentro das paredes do poder” trazia-lhe um “prazer subversivo”(30).

Sendo a visita de Nixon à China aquilo que Adams descreve como um acontecimento encenado para os media, não faltavam momentos nem temas a que a ópera poderia recorrer. Por um lado, o momento representava o que o compositor vê como um encontro de Titãs: Nixon e Mao, representando assim duas das mais evidentes forcas antagónicas das grandes ideologias políticas do século XX. A figura de Nixon é retratada por Alice Goodman como sendo uma pessoa vaidosa, visionária, mas sempre assombrada por suspeições. Mao, por sua vez, nasce das leituras dos seus poemas e do famoso Livro Vermelho (31).

A composição musical da figura de Nixon resultou de uma questão feita por John Adams a si mesmo quando procurou a linguagem que mais bem poderia retratar a personalidade do estadista. Nasceu assim a ideia de evocar as memórias do som das big bands dos anos 30 e 40 (a época em que Nixon e Pat se conheceram) que, juntamente com heranças e assimilações do minimalismo, definem os caminhos musicais que conduzem os quadros da encenação desta viagem histórica de 1972. Por seu lado, mais do que citar a música chinesa nas situações em que isso poderia fazer sentido, Adams observa em Hallelujah Junction que, ao ver registos de bailados comunistas chineses, reconheceu na música que os suportava sinais de “más imitações da música de bailados francesa e russa”(32). Quanto à orquestração, Adams usa no seu livro uma palavra que a traduz magnificamente: tecnicolor.

Pat Nixon, a primeira dama, é a mulher doméstica do ideal republicano, como Adams a caracteriza. Submete-se ao marido, tem um sorriso genuíno mas que esconde uma dor interior. O oposto, para o compositor, de Jiang Qing, a mulher de Mao, que deu os primeiros passos profissionais como atriz de cinema, juntando-se depois ao Partido Comunista Chinês e transformando-se numa das grandes forças da Revolução Cultural.

Alice Goodman, em entrevista à New Yorker em novembro de 1987, explicou que, ao definir o perfil da figura do presidente americano pensou “muito no amor de Nixon pela história e, apesar de tudo, na sua crença na paz e no progresso”. A autora do libreto sentiu que cada personagem na ópera tinha de ser o mais eloquente possível: “A qualidade heroica da obra como um todo seria determinada pela eloquência com que cada personagem exporia os seus argumentos. [...] Nixon era uma pessoa emocionalmente reprimida e socialmente desajeitada, mas tinha uma noção muito aguda do papel que representava na história. Na ópera fiz que falasse ou cantasse com uma combinação de grandiloquência pomposa e de coloquialismo cru, traço dele do qual não tínhamos conhecimento, até surgirem as fitas relacionadas com o caso Watergate”, cita Lauro Machado Coelho, no livro A Ópera nos Estados Unidos.

Alice Goodman contou depois que fez projeções de si mesma durante o processo de criação das personagens de Nixon, Pat, Kissinger e Madame Mao. Já as vidas interiores de Mao e Chou En-lai, não as encontrando em si mesma, procurou-as em figuras que lhe eram próximas. Peter Sellars sugeriu elementos característicos de óperas clássicas, nomeadamente o coro que abre o primeiro ato, a cena heroica da chegada de Nixon ou o “duelo” de brindes no banquete do final do primeiro ato. Adams, Sellars e Goodman, todos eles cederam entre si para encontrarem no fim uma voz comum aos três. Na entrevista a Thomas Hampson, que vemos na nova edição em Blu-ray e DVD, o encenador Peter Sellars explica mesmo que Nixon In China foi um espaço de confronto democrático entre todos os criadores envolvidos, juntando aos três ainda o trabalho do coreógrafo Mark Morris.

Timothy A. Johnson, autor de John Adams’s Nixon in China: Musical Analysis, Historical and Political Perspectives, um livro exclusivamente dedicado a uma análise e interpretação desta ópera, Nixon In China é uma obra que reflete o registo histórico dos acontecimentos mas que ultrapassa as fundações da história. Através das suas relações musicais, a ópera faz o que descreve como uma “interpretação dos acontecimentos que estavam fora ou surgiam de forma apenas latente” nas imagens e nos noticiários da visita de Nixon à China. Citando Thomas May, Timothy A. Johnson sugere mesmo que Adams, Sellars e Goodman conseguiram encontrar “um lugar para o poder da mitologia entre figuras da história contemporãnea” (33).


(27) in booklet do Blu-Ray/DVD da produção do Met para Nixon in China.
(28) ibidem
(29) ibidem
(30) in John Adams, Hallelujah Junction (Faber & Faber, 2008), pág. 136.
(31) O célebre Livro Vermelho com frases de Mao Tsé-tung.
(32) in John Adams, Hallelujah Junction (Faber & Faber, 2008), pág. 141.
(33) in Timothy A. Johnson, John Adams’s Nixon in China: Musical Analysis, Historical and Political Perspectives (Ashgate Publishing Limited, 2011), pág. 5.


(Continua)

sábado, março 02, 2013

Políticos num palco de ópera (2)

Foto: Ken Howard / Metropolitan Opera

Este texto é parte de um artigo que foi originalmente publicado na edição de 16 de fevereiro do suplemento Q., do Diário de Notícias, com o título: Richard Nixon e Mao Tse-Tung: Um choque de titãs num palco de ópera.

Na sequência de um convite chinês a uma equipa de jogadores de ténis de mesa norte- -americanos para um torneio na China em 1971, a viagem de Richard Nixon começou a desenhar-se em julho desse mesmo ano, por uma ocasião de uma ida ao Paquistão do consultor para Segurança Nacional Henry Kissinger, este tendo passado por Pequim para um primeiro número de reuniões secretas que prepararam a ida do presidente americano em 72. Até então, alguns outros chefes de Estado norte-americanos haviam passado pela China, mas nunca em funções. Ulysses Grant (16) visitara o país depois de terminada a sua administração. Herbert Hoover (17) tinha ali vivido brevemente antes de chegar à Casa Branca, em 1899. Já Dwight Eisenhower havia visitado Tawian em 1960, num tempo em que a diplomacia norte-americana não reconhecia ainda a República Popular da China. Em 1968, um ano antes da sua eleição, Nixon escrevera em Foreign Affairs que “não havia lugar neste pequeno planeta para que um bilião dos seus habitantes potencialmente mais capazes viva num estado de irado isolamento”(18). Da visita de sete dias, que incluiu apenas um encontro entre Nixon e Mao (que aconteceu logo no dia da chegada da comitiva Americana), resultaram as bases para um novo entendimento político e comercial entre os dois países, a questão de Taiwan tendo sido também debatida entre diplomatas. Além das reuniões com Chou En-lai, Nixon visitou a Grande Muralha, Hangzhou e Xangai, tudo sob a presença permanente dos media que, a par e passo, levaram notícias e imagens desta viagem a todo o mundo.

Imagens de arquivo da visita de Nixon à China em 1972

Pouco mais de dez anos passados sobre esta data histórica, quando o encenador Peter Sellars (19), que conhece pessoalmente em agosto de 1983, fala pela primeira vez a John Adams na ideia de uma ópera sobre Nixon, a sua memória do antigo presidente americano era ainda a do homem que o “tentara alistar para lutar no Vietname”(20). Estavam ainda vivas, como escreve no seu livro, as memórias do caso Watergate, que o conduzira à renúncia do segundo mandato, em 1974. O republicano e conservador Ronald Reagan (21) era, desde 1980, o presidente, após apenas um mandato do democrata Jimmy Carter (22).

John Adams tinha já lido vários artigos na imprensa sobre o jovem encenador. Era um estudante “controverso” que, como o compositor recorda na sua memória autobiográfica, tinha feito “o equivalente a lançar uma cobra cascavel viva na sóbria e conservadora vida musical da Boston de então”(23). Encontraram-se pela primeira vez na cafetaria de uma pequena escola de música onde decorriam os ensaios de uma produção da ópera Armida, da Haydn, que Sellars ia encenar. Sellars, por seu lado, conhecia já o trabalho de Adams e propôs de imediato que colaborassem num projeto comum. Tinha mesmo um título para a ópera que gostava que fizessem juntos: Nixon in China, uma espécie de versão pop art do Iphigenia in Tauris (ópera de Gluck estreada em 1779), como recorda o compositor. Sellars, descreve Adams, tinha estado a ver os bailados políticos chineses, “produto das fervorosas campanhas de agitação e propaganda de madame Mao (24), assim como tinha estado a ler os relatos pomposos e autoelogiosos de Kissinger sobre os seus anos na Casa Branca”(25). Sugeriu assim que fizessem uma espécie de encontro, ao jeito realpolitik, entre o Oriente e Ocidente. Apesar de ainda incerto sobre o que poderia surgir, sabendo que nunca antes tinha escrito para vozes, muito menos uma ópera, Adams regressou a São Francisco pouco convencido de que aquele seria um caminho a seguir, pensando mesmo que a ideia lhe lembrava até “os maus comediantes que faziam imitações de Nixon na televisão, movendo os ombros e fazendo o sinal de vitória com os dedos” (26). Dois anos mas tarde reconhecia que esta era, afinal, uma grande ideia...

(16) Ulysses S. Grant (1822-1885) – 18.º presidente dos EUA, entre 1869 e 1877.
(17) Herbert Hoover (1874-1964) – 31.º presidente dos EUA, entre 1929 e 1933.
(18) in http://millercenter.org/president/nixon/ essays/biography/5.
(19) Peter Sellars (n. 1957) – um dos mais aclamados encenadores de teatro e ópera do nosso tempo. É professor na UCLA.
(20) in John Adams, Hallelujah Junction (Faber & Faber, 2008), pág. 135.
(21) Ronald Reagan (1911-2004) – 40.º presidente dos EUA, entre 1981 e 1989.
(22) Jimmy Carter (n. 1924) – 39.º presidente dos EUA, entre 1977 e 1981.
(23) in John Adams, Hallelujah Junction (Faber & Faber, 2008), pág. 125.
(24) Jiang Qing (1914-1991) – pseudónimo usado por Lan Ping, a última mulher de Mao e uma figura importante na história da Revolução Cultural, sobretudo entre 1966 e 76. Caiu em desgraça e foi presa depois da morte do marido. Suicidou-se em 1991. Na ópera Nixon in China é tradada como Madame Mao.
(25) in John Adams, Hallelujah Junction (Faber & Faber, 2008), pág. 126.
(26) idem, pág. 128.


(Continua)

Podem ler aqui a primeira parte deste artigo.

domingo, fevereiro 24, 2013

Políticos num palco de ópera (1)

Foto: Ken Howard / Metropolitan Opera
Este texto é parte de um artigo que foi originalmente publicado na edição de 16 de fevereiro do suplemento Q., do Diário de Notícias, com o título: Richard Nixon e Mao Tse-Tung: Um choque de titãs num palco de ópera. 

Num aeródromo perto da capital chinesa o Air Force One, o avião presidencial norte-americano aterra junto a uma comitiva oficial liderada pelo então primeiro-ministro chinês Chou En-Lai (1). Richard Nixon (2) e a mulher Pat (3) descem as escadas, seguidos pelo conselheiro da Casa Branca (e mais tarde secretário de Estado) Henry Kissinger (4)... Cumprimentam-se e, pela televisão, o mundo assiste surpreendido àquele inesperado momento histórico. Afinal, nunca antes um presidente norte-americano em exercício visitara a China. Recordado pelas fortes convicções anticomunistas que inclusivamente lhe tinham valido a vice-presidência dos EUA nos dias de Eisenhower (5), Nixon protagonizava assim um encontro histórico numa visita oficial de sete dias que traduzia um até então não imaginado confronto diplomático entre as grandes ideologias que separavam o que eram então os mundos ocidental e oriental. Podíamos estar a falar da história recente dos EUA e de um dos feitos maiores da administração Nixon e da política externa americana dos anos 70. Mas na verdade descrevemos as cenas iniciais e o contexto em que se desenrola Nixon In China, aquela que em 1987 foi a primeira ópera de John Adams (6) e que hoje, no momento em que chega a DVD e Blu-ray a gravação de uma magnífica produção que a Metropolitan Opera, de Nova Iorque apresentou em 2011 (e que a Gulbenkian então transmitiu como parte do programa Met Live in HD em fevereiro desse ano), é um dos raros exemplos de óperas da segunda metade do século XX que entraram já no restrito grupo de obras que fazem o cânone das produções mais vezes apresentadas em teatros de ópera. Afinal, quantas outras óperas do nosso tempo contam já com três gravações distintas (duas em disco, e esta nova em DVD e Blu-ray), geraram a edição de livros e alcançaram o patamar de reconhecimento quase unânime que hoje faz de Nixon In China uma referência?

No inverno de 1972, um jovem John Adams vira, pela televisão, o Air Force One a aterrar em Pequim, as figuras de Nixon, a sua mulher, Pat, e Kissinger a descer as escadas e ser recebidos por Chou En-lai. No seu livro de memórias Hallelujah Junction, o compositor descreve este momento como sendo um gesto ousado, “esta ideia de entrar pelo sombrio coração comunista e oferecer um bom aperto de mão rotariano aos nativos, aqueles mesmos chineses que até então, e com tínhamos sido várias vezes avisados, representavam o oposto das noções de democracia representativa” (7). Adams guarda também as imagens do dia seguinte, do encontro entre Nixon e Mao (8), cujo aperto de mão descreveu como sendo ainda mais devastador que a aterragem de um homem na Lua. Lembra a figura de um frágil octogenário que mal era capaz de se levantar da sua cadeira durante o tempo necessário para a foto ao lado do presidente que o visitava.

A figura de Richard Nixon, de resto, habita várias das memórias de infância e juventude de John Adams. Era o seu “papão”, como ele mesmo o caracteriza em Hallelujah Junction. Liga-o a memórias dos anos 50, aos “calafrios da Guerra Fria”, à propaganda anticomunista e todo um clima conservador que recorda daqueles tempos. Na sua autobiografia conta que a sua mãe fora sempre voluntária nas campanhas do partido democrático no New Hampshire, onde viviam, o que, desde cedo, projetara em si um certo fascínio pela política. Recordando em concreto as presidenciais de 1960 (9), John Adams confessa que lhe “era difícil compreender a capacidade de Nixon captar quaisquer votos que fossem contra o carismático e bem-parecido John F. Kennedy (10)”. De resto, acrescenta nas suas memórias, o eventual potencial de atração de Nixon resultaria mais do facto de não ser um democrata liberal, não ser filho de uma família rica, não ser católico, de não falar com o sotaque do Massachussets.

Tinha então 13 anos e, desses dias, recorda--se de ter visto na televisão o famoso debate entre Nixon e Kennedy que terminou com clara vitória ao segundo. Lembra como a televisão tratou desfavoravelmente o candidato republicano, revelando o suor na testa de Nixon, a boca seca e o piscar de olhos (11). Kennedy não só venceu esse debate como a eleição de 1960, tomando posse em janeiro de 1961. Seria assassinado em Dallas em 1963, sucedendo-lhe o seu “vice”, Lyndon Johnson, que iria a votos em 1964, derrotando então o candidato republicano Barry Goldwater. Em Hallelujah Junction, Adams conta que, quando terminou a sua formação, “o teimoso e tenaz, mesquinho e maquiavélico Nixon tinha regressado e era agora Presidente”, acrescentando que o jovem compositor era então um espécimen do modelo do jovem punk contra quem Nixon falava quando se referira “à sua imaginada maioria silenciosa” ao comentar e criticar “a falta de patriotismo do movimento pacifista”. No seu livro diz ainda que “face à abjeta opção [dos mais jovens] pela música barulhenta, sexo promíscuo e ingenuidade política, Nixon contava antes com os seus americanos médios, sofredores e silenciosos: os modestos, os monogâmicos, os tímidos e os respeitadores. Eram os empresários de pequenas cidades, com as suas mulheres obedientes e famílias de dois filhos e meio. A infância quaker (12) de Nixon, difícil e pobre, fazia uma história pessoal que devia ser mitificada e inspiradora, sobretudo no contraste com o dinheiro, o poder e os privilégios de Kennedy” (13). Adams critica mais ainda as mas opções de Nixon ao escolher as figuras que mais tarde estiveram nos bastidores do caso Watergate (14). E aponta o dedo às suas ações no Vietname – que comenta referindo concretamente bombardeamentos e a “ofensiva diplomática” – que conduziram “ao humilhante colapso da presença americana” na região e “a uma década de recriminação” (15).

(continua)

quinta-feira, dezembro 20, 2012

Os melhores discos de 2012 (N.G.)

É uma tradição que o Sound + Vision respeita anualmente. E a partir de hoje as listas dos melhores do ano vão surgir por aqui. Começamos pelos discos que mais marcaram um ano de muitas (e boas) edições discográficas. E os melhores são...

Depois da promessa sugerida no impressionante Learning, em 2012 Mike Hardeas confirmou em Put Your Back N2 It a visão e a personalidade de um autor que se encontrou a si mesmo num espaço pleno de verdade e personalidade. Sem perder as características, temas e demandas, a voz criativa do seu projeto Perfect Genius avançou e, para lá das fronteiras lo-fi, encontrou outra nitidez, fazendo deste seu segundo álbum o “grande” acontecimento discográfico pop/rock (e cercanias) do ano. Um ano que mostrou, sobretudo, interessantes casos de cruzamentos de linguagens, em discos que, aos poucos, definem o início do século XXI como um tempo de diálogos e cruzamentos. Vejam-se os casos de Gold Dust, onde Tori Amos revisita com um a orquestra as canções de 20 anos de discos e nelas encontra novos pontos de vista. Ou Rework onde, sob curadoria de Beck, uma série de músicos (de Amon Tobin a Johann Johansson) procuram olhares pessoais sobre momentos marcantes da obra de Philip Glass. Ou ainda Dr. Dee, onde Damon Albarn (depois da experiência de Monkey: Journey To The West), regressa ao espaço da ópera contemporânea, desta vez assinando aqui o seu primeiro disco a solo. Do balanço do ano destaque-se ainda a proeminência de Frank Ocean e Miguel, novas vozes que definitivamente se afirmam no espaço do R&B, também aqui em franco diálogo com outras referências (em ambos morando aquele olhar transversal que fez a diferença para Prince nos anos 80). De 2012 ficam ainda as memórias do melhor álbum dos Pet Shop Boys desde os dias de Behaviour, a “estreia” (sim, porque já tinha editado antes sob outro nome) de Lana del Rey – que criou uma “estrela” nos moldes dos tempos dos ícones de outrora -, das melhores electrónicas que ouvimos ao longo do ano em Fin de John Talabot e o belíssimo regresso (agora a solo) do ex-Blue Nile Paul Buchanan. A história discográfica do melhor do ano podia ainda juntar nomes como os de Patti Smith, St. Etienne, Andrew Bird, David Byrne com St Vincent, Brian Eno, Ombre, Grizzly Bear, Lemonade, Jack White, Beach House, Leonard Cohen ou Matthew Dear. Mas um Top 10 é um Top 10 e, assim sendo, aqui fica...

1. Perfume Genius, ‘Put Your Back N2 It’ (Matador Records)
2. Tori Amos, ‘Gold Dust’ (Deutsche Grammophon)
3. Pet Shop Boys, ‘Elysium’ (Parlophone)
4. Philip Glass, ‘Rework’ (Orange Mountain Music)
5. Frank Ocean, ‘Channel Orange’ (Def Jam)
6. Miguel, ‘Kaleidoscope Dream’ (Epic Records)
7. Lana del Rey, ‘Born To Die’ (Universal)
8. Damon Albarn, ‘Dr Dee’ (EMI Music)
9. John Talabot, ‘Fin’ (Permanent Vacation)
10. Paul Buchanan, ‘Mid Air’ (Essential Newsroom)

Nacional

Tirando o álbum da Sétima Legião, que é uma antologia de ‘memórias’, é curioso reparar que o melhor do ano editorial português ficou por conta de editoras independentes, acentuando uma tendência que se vem a acentuar nos anos mais recentes. Do panorama destaca-se claramente a estreia em álbum de Moullinex, um dos rostos centrais do catálogo da editora Discotexas, com um disco onde promove um franco (e compensador) diálogo entre a música de dança e o formato da canção, num espaço onde o presente sabe escutar ecos e grandes lições do disco sound, da soul, do funk e da pop. Sem dúvida, a grande surpresa do ano. A memória, além das canções da Sétima Legião (que viram a sua obra ser editada em formato remasterizado, mas ainda sem o tratamento arquivístico que justificava), mora ainda na abordagem de B Fachada, Minta e João Correia ao alinhamento do clássico Os Sobreviventes de Sérgio Godinho. O aprumar da visão de Norberto Lobo (cada vez mais um nome maior no panorama local), o encontro dos The Gift com o piano como voz maior na composição e os diálogos entre a raiz e a modernidade, em sede açoriana, pelo projeto O Experimentar são ainda notas maiores num ano onde convém ainda reter as propostas de DJ Ride, Gaiteiros de Lisboa e o coletivo Orelha Negra.(*)

1. Moullinex, ‘Flora’ (Discotexas)
2. Sétima Legião, ‘Memória’ (EMI Music)
3. B Fachada + Minta + João Correia ‘Os Sobreviventes’ (Mbari)
4. Norberto Lobo, ‘Mel Azul’ (Mbari)
5. The Gift, ‘Primavera’ (La Folie)
6. O Experimentar, ‘Sagrado e Profano’ (O Experimentar)
7. DJ Ride, ‘Life in Loops’ (Optimus Discos)8. Orelha Negra, ‘Orelha Negra’ (VC)
9. B Fachada, ‘Criôlo’ (Mbari)
10. Gaiteiros de Lisboa, 'Avis Rara' (D'Euridice)

Clássica

25 anos depois da sua estreia, a ópera Nixon In China regressou este ano aos palcos e, numa espantosa produção do Met, confirmou essa obra de John Adams como uma das peças maiores da história deste espaço de criação musical (dela falaremos na tabela dos melhores DVD e Blu-ray do ano). Mas de John Adams o ano recorda mais que apenas essa nova vida para a sua obra-prima. E o igualmente fundamental Harmonielehre, de quem havia uma gravação dos anos 80 dirigida por Edo de Waart, conheceu nova gravação, pela mesma San Francisco Symphony, numa direção de Michael Tison Thomas que se destacou claramente como o mais vibrante instante musical do ano discográfico nos domínios da música clássica. Do ano editorial destaca-se ainda a estreia em disco de Out Of Nowhere e Nyx, de Esa Pekka Salonen, parecendo cada vez mais certo que, se perdemos um maestro tão presente em palcos e gravações, passámos a contar com mais um valor maior no panorama da composição do século XXI. Tudo isto num mesmo ano em que Max Richer mostrou como uma editora (neste caso, a Deutsche Grammophon) pode ser também catalisadora de novas visões, ao propor um olhar diferente pelas Quatro Estações de Vivaldi no mais recente volume da série Re-Composed. Em tempo de assinalar os seus 75 anos, Philip Glass estreou duas sinfonias, tendo editado uma gravação da sua empolgante “nona” logo no início do ano. O melhor de 2012 passou ainda por obras para piano de Debussy por Alexei Lubimov e pela abordagem aos concertos para piano de Shostakovich por Menlikov. Simon Rattle gravou uma arrebatadora visão “completa” da nona de Bruckner e Gardiner completou o ciclo de gravações da obra orquestral de Brahms com um belíssimo Ein Deutsches Requiem. Notas ainda para Wagner’s Dream, editado ainda em vida de Jonathan Harvey e o inteligente programa, ao estilo de um recital, de Adès e Isserlis para, de obras de outros compositores, chegar aos Lieux Retrouvèes do primeiro.

1. John Adams, ‘Harmonielehre’ M. Tilson Thomas / San Francisco Symphony (SFS Media)
2. Esa Pekka Salonnen, ‘Out of Nowhere’ Salonen / Finnish Radio Symphony Orchestra (Deutsche Grammophone)
3. Claude Debussy, ‘Preludes’ – Alexei Lubimov (ECM)
4. Max Richter, ‘Recomposed – Vivaldi Four Seasons’, Daniel Hope
5. Philip Glass, ‘Symphony N. 9’ – Bruckner Orchester Linz
6. Anton Bruckner, Symphony N. 9’ – Simon Rattle / Berliner Philharmoniker
7. Thomas Adès ‘Lieux Retrouvées’ – T. Adès + S. Isserlis (Hyperion)
8. Johannes Brahms, ‘Ein Deutsches Requiem’ – J Eliot Gardiner / Orch Revolutionarie et Romantique
9. Dmitri Shostakovich, ‘Piano Concertos’ A. Menlikov / Mahler Chamber Orchestra, dir. Teodor Currentzis (Harmonia Mundi)
10. Jonathan Harvey, ‘Wagner’s Dream’ dir. Martyn Brabbis (Cypress)

(*) Uma lista originalmente publicada incluía o disco a solo de Manuel Fúria, que na verdade só será publicado em 2013.

domingo, abril 15, 2012

John Adams de regresso a San Francisco

Gravação magnífica de duas obras de John Adams compostas nos anos 80 pela San Francisco Symphony, para a qual foi o primeiro compositor residente, entre 1982 e 1985. A direção é de Michael Tislon Thomas e a edição pela SFS Media, a editora da própria orquestra.

A história começa há pouco mais de 30 anos quando, em 1979, um ainda jovem John Adams (n. 1947) se junta profissionalmente à San Francisco Symphony como, inicialmente, consultor, um pouco depois tomando o lugar de primeiro compositor residente da orquestra (cargo que ocupou de 1982 a 1985). E através da orquestra de San Francisco (Califórnnia) o compositor estreia obras fulcrais numa etapa de afirmação da sua própria afirmação enquanto voz criativa como Grand Pianola Music, Harmonium ou a absolutamente assombrosa Harmonielehre, uma “sinfonia” (se bem que não se apresente sob essa designação) que representaria (mais que os anteriores Shaker Loops ou Harmonium), dois anos antes da histórica ópera Nixon In China (1987), como o grande “cartão de visita” que definitivamente o deu a conhecer ao mundo. Foi a San Francisco Symphony quem levou então a boa nova para lá da sua sala de concertos, numa gravação dirigida por Edo de Waart que teve então edição no catálogo da Nonesuch Records. Agora, quase trinta anos depois, a mesma orquestra, porém sob a batuta de Michael Tilson Thomas, volta a gravar esta obra maior da música americana de finais dos anos 80 gerando aquele que é desde já um dos títulos “obrigatórios” de 2012.

Numa primeira abordagem o título de Harmoninelehre pode evocar Arnold Schoenberg (e em concreto um texto teórico marcante), figura que John Adams admirou intensamente numa etapa de formação, mesmo que a sua música não tenha depois seguido as regras que o compositor austríaco inscreveu na história da música do século XX. Na verdade, através de Harmonielehre cruzam-se os dois universos centrais que conduziram John Adams à descoberta da sua identidade autoral. Por um lado a grande tradição ocidental europeia (Mahler, Sibelius, Debussy...), que decorre de uma educação que teve na música clássica um importante pilar estrutural. Por outro, os ecos mais próximos do minimalismo norte-americano (bem visíveis na sua música dos anos 80), fruto de uma atenção para com estes compositores que, tal como os mundos do jazz e da música rock fizeram parte do seu espaço de audições desde sempre. Harmonielehre é pois uma sinfonia do seu tempo por um homem do seu tempo. Sugere tensão na abertura, fragmentando depois as ideias numa série de pequenos acontecimentos que nos conduzem a um andamento lento que transporta ecos da etapa final do romantismo, antes de um pulsante crescendo final nos conduzir a um desfecho empolgante.

Como complemento, o disco junta uma gravação da curta peça Short Ride in a Fast Machine, de 1986. Ambas apresentam-se em gravações ao vivo no Davies Symphony Hall, a primeira em dezembro de 2010, a segunda em setembro de 2011. A orquestra respira esta como sendo uma música que faz parte do seu corpo, a direção de Tislon Thomas compreendendo o jogo de contrastes entre o tom meditativo das passagens lentas, conduzindo depois de forma exultante o pulsar rítmico que brota da sua estrutura. O disco sublinha assim a vitalidade de uma ligação que continua a unir o compositor à orquestra que em primeira mão deu corpo a esta música. Ligação que se mantém viva também no plano profissional uma vez que, há poucos dias, a San Francisco Symphony fez a estreia mundial de Absolut Jest, a mais recente obra de John Adams.


Imagens  de um vídeo onde maestro e compositor falam de Harmonielehre.

terça-feira, dezembro 27, 2011

Os melhores discos de 2011


N.G.:

Pop/rock: Um ano de muitos discos (como tantos outros), mas com uma ideia dominante que ajudará, um dia, a memória a evocar 2011 segundo uma série de títulos, nomes e... um som. Com genética primordial no dubstep, uma relação com a canção, ferramentas electrónicas e um trabalho atento a filigranas de discretos acontecimentos, 2011 teve em nomes como James Blake, Nicholas Jaar, Jamie Woon ou Jai Paul alguns dos seus mais importantes embaixadores. O primeiro, que fora já uma das mais sérias promessas de 2010 confirmou em pleno as expectativas num álbum absolutamente notável que podemos entender como paradigma desta forma de fazer música. Apesar de ter já editado um primeiro disco em 2008, o nova iorquino Son Lux fez de We Are Rising o mais interessante dos momentos menos mediatizados do ano, num álbum criado em apenas 28 dias que serve, de certa forma, para dar continuidade a uma visão que busca caminhos novos além dos horizontes da pop, tal e qual o fez Sufjan Stevens em The Age of Adz. PJ Harvey, sob minimalismo de recursos, mas profundamente expressiva no retrato que traça da Inglaterra de hoje fez de Let England Shake o melhor dos discos de uma das mais impressionantes discografias do nosso tempo. Pela lista surgem ainda as canções de travo retro de John Maus, o regresso eloquente e gourmet de Kate Bush, o paisagismo ambiental de Julianna Barwick, as belíssimas canções de Bon Iver, a pop elegante de Destroyer, o encontro iluminado de Mimi Goese com Ben Neill ou as visões cénica e texturalmente ricas de Nicholas Jaar. O ano destacou ainda discos de uns Sound of Arrows, Cat’s Eyes, Alex Turner, David Lynch, Björk ou John Vanderslice. Mas um top 10 é um top 10...

1 . James Blake, James Blake
2 . Son Lux, We Are Rising
3. PJ Harvey. Let England Shake
4. John Maus, We Must Become The Pityless Consors of Ourselves
5. Kate Bush, 50 Words For Snow
6. Julianna Barwick, The Magic Place
7. Bon Iver, Bon Iver
8. Destroyer, Kaputt
9. Mimi Goese + Ben Neill, Songs for Persephone
10. Nicholas Jaar, Space Is Only Noise


Música portuguesa: Há muito que a música eléctrica portuguesa não escutava um disco assim. Intenso e diferente. E tudo sob um mínimo de recursos. Ana Deus e Alexandre Soares juntaram-se como Osso Vaidoso, a voz tendo por principal companhia uma guitarra eléctrica, as canções mostrando como com pouco se faz muito, às palavras sendo concedido um protagonismo que a tudo dá sentido. O ano teve uma vez mais em B Fachada um dos seus momentos de referencia, desta vez num disco que colocou o piano como principal elemento ao serviço da composição. Destaque-se ainda a confirmação das boas ideias pop de uns Capitães da Areia e a forma como Sérgio Godinho optou por celebrar os 40 anos de carreira com um disco de originais.

1 . Osso Vaidoso, Animal
2 . B Fachada, B Fachada
3 . Capitães da Areia, O Verão Eterno
4 . Sérgio Godinho, Mútuo Consentimento
5. You Can’t Win Charlie Brown, Chromatic
6. The Gift, Explode
7. Tiago Sousa, Walden Pond’s Monk
8. Aquaparque, Pintura Moderna
9. Amália Rodrigues, Amália Canta David
10. Joana Sá, Through This Looking Glass


Clássica: Depois de um 2010 que teve em Mahler um dos compositores mais presentes nos escaparates dos novos lançamentos, 2011 viu numa gravação da Sinfonia Nº 2 do grande sinfonista austríaco o seu melhor momento. A gravação, pela London Philharmonic Orchestra, é dirigida pelo jovem maestro russo Jurowski e revela tanto uma capacidade em explorar toda a melancolia que a música transporta como o sublinhar dos instantes exultantes que vincam a noção de ressurreição que afinal a caracteriza. Destaque maior ainda para um olhar sobre o 11 de Setembro por Steve Reich, numa obra que explora princípios que o compositor lançara há anos em Different Trains. Da multidão de discos lançados a assinalar o ano Liszt vale a pena reter a gravação dos seus dois concertos para piano, com Barenboim (solista) e Bloulez (maestro), acompanhados pela Staatskapelle Berlin. De um ano de muitos lançamentos na área da música clássica referências ainda à continuação de ciclos dedicados a Shostakovich e Sibelius, respectivamente por Petrenko e Inkinen, um Berlioz na voz de Von Otter e à presença da música do século XXI em gravações de obras de Adams, Denehy, Muhly e Bryars.

1. Jurowski / London Phil Orchestra – Mahler, Symphony N. 2
2. Steve Reich / Kronos Quartet – Reich, WTC 9 / 11
3. Baremboim + Boulez / Staatskapelle Berlin – Lizst, The Piano Concertos
4. Petrenko / Liverpool Phil Orchestra – Shostakovich, Symphonies 6 & 12
5. Von Otter + Tamestit, Minkowski / Les Musiciens du Louvre - Berlioz, Les Nuits d’Eté
6. Adams / International Contemporary Ensemble – Adams, Son of Chamber Symphony
7. van Raat + Nederlands Radio Ch. Philharmonic / Tausk – Bryars, The Piano Concerto
8. Upshaw + Lionáird, Pierson / Crash Ensemble - Denehy, Gra Agus Brás
9. Gould + Collon / Aurora Orchestra - Muhly, Seeing is Believing
10. Inkinen / New Zeland Symphony Orch – Sibelius .- Symphonies 6 & 7 + Finlandia


J.L.: 

Insólita paisagem, esta a que a digitalização conduziu a música: tudo coexiste, tudo colide, cada gesto é contaminação de outro, deixou de haver “linha da frente”. É num contexto assim que, creio, pode fazer sentido não esquecer o mais ousado dos mais jovens, de seu nome Miles Davis. Além do mais, temos o fado. Parafraseando os actores do programa de humor da RTP1, Estado de Graça, este é o tempo de uma histeria em que os fadistas brotam das pedras da calçada... Será que vamos perder tudo nas soluções mais fáceis do marketing e na banalização gerada pelo rótulo da “world music”? Fiquemo-nos pelas coisas certas: Cuca Roseta está aí e com ela, através do seu prodigioso álbum de estreia, mantemo-nos ligados à terra.

CUCA ROSETA, Cuca Roseta
LIVE IN EUROPE 1967/THE BOOTLEG SERIES VOL. 1, Miles Davis
BLOOD PRESSURES, The Kills
WE ARE RISING, Son Lux
RIO, Keith Jarrett
THE KING OF LIMBS, Radiohead
WHOKILL, tUnE-YarDs
SUPER HEAVY, Super Heavy
4, Beyoncé
ANNA CALVI, Anna Calvi