(Seria impensável que nesta série de interrogações não dedicasse uma reflexão, pequena e modesta que seja, à economia portuguesa. Poderão alguns retorquir que as interrogações sobre a economia portuguesa são as de sempre e que 2026 não representará um foco propriamente dito de interrogação. Ainda assim, principalmente porque a economia portuguesa acabou por ter uma notoriedade internacional com a chancela do Economist que foi habilmente utilizada pelo Governo para proclamar a sua incompreensão relativamente à greve geral que reuniu o acordo das duas centrais sindicais. Mais do que um cético inveterado, considero-me um otimista crítico e por isso não desvalorizo a notoriedade que a dinâmica da economia portuguesa revelou em 2025, o que não significa de todo embarcar na demagogia da mensagem governativa. Temos crescido acima da média europeia, confirmando a convergência esperada dos países “followers” com nível de desenvolvimento económico mais baixo que tiram partido da difusão do progresso tecnológico, o que não é coisa pouca e para ser desvalorizada. Sabemos ainda que essa convergência mais recente não é produto de apenas um governo com uma dada orientação política, ela já se manifestava nos governos do PS e isso é uma boa notícia, pois mostra que a economia acomodou bem a alternância democrática. À paridade de poder de compra, essa convergência determinou que, em 2024, o PIB per capita português se situasse em 82,4% do da média da União, com a evidência adicional de que em termos de consumo per capita essa percentagem fosse ligeiramente superior, atingindo os 85,7%. A capacidade de criação de novos empregos tem-se mantido a um nível relevante e o nível relativamente contido do desemprego observado em contexto de aumento da população imigrada no emprego total significa que, a existir destruição criadora, ela está relativamente contida do ponto de vista do emprego destruído sem alternativa de novas ocupações. E, finalmente, a variação do índice do custo do trabalho, essencialmente determinado pelos custos salariais, evidencia em 2023 e 2024 uma tendência crescente, com relevo para a variação homóloga do último trimestre de 2024, que atingiu os dois dígitos. Entretanto, apesar desta convergência, a inércia da pobreza incompressível, não ignorando a redução efetiva dos níveis de pobreza absoluta e de população em risco de pobreza, continua a fazer-se sentir, o que sugere que a economia portuguesa continua a não proporcionar os níveis de affordability desejáveis a uma parte ainda considerável da sua população, com destaque último para os problemas de habitação).
A resposta a esta forte limitação do desempenho económico do país passa pela produção de resultados mais amplos em relação a dois problemas centrais e pela procura de uma saída mais airosa para a questão suscitada pela decisão do ministro Fernando Alexandre de extinguir a FCT e a ANI numa única agência de inovação, matéria central para discutirmos as relações expectáveis no Portugal de hoje entre a ciência, a tecnologia, a inovação e o desenvolvimento económico.
As duas primeiras questões a que me referi estão em meu entender já suficientemente diagnosticadas, sendo por isso relativamente simples colocá-las na perspetiva das interrogações para 2026.
A primeira dessas questões prende-se com a evidência que temos sobre a existência de um fosso considerável, medido por vários indicadores (produtividade, estrutura de qualificações, eficiência de gestão e outros), entre um núcleo de empresas e grupos empresariais com desempenhos de gestão e inovação comparáveis com a fronteira tecnológica europeia e uma massa imensa de pequenas e médias empresas que vão resistindo, mas que demoram uma eternidade, se o conseguirem, a aproximar-se dos níveis de desempenho das primeiras. A desproporção existente entre os dois grupos em matéria de número de unidades é imensa, em termos de emprego é menor, sendo possível concluir que o dinamismo das primeiras não é suficiente em termos de intensidade e de abrangência para se repercutir nos níveis globais de produto e de produtividade do país.
Pode questionar-se que modelo de relacionamento existe entre os dois grupos e se esse modelo de relacionamento potencia ou inibe a geração de efeitos de spillover dissemináveis por toda a economia. O problema não está suficientemente estudado na investigação disponível, mas existe evidência para alguns grupos, caso exemplar da AutoEuropa, de que as redes de subcontratação animadas pelo grupo alemão se têm repercutido muito favoravelmente na certificação e apuros de gestão para a qualidade, gerando por essa via melhorias de gestão e produtividade no sistema de relações inter-industriais que gira em torno da AutoEuropa. Não existe evidência segura de que este modelo virtuoso da subcontratação esteja a disseminar-se por outras indústrias e, o que também é importante, se essa natureza virtuosa é suficiente para permitir que as PME envolvidas possam escapar à dependência de mercado que esse relacionamento tende a gerar.
Em estudo realizado lá muito atrás no tempo para a AEP, os meus colegas José Costa (que recordamos com saudade) e Mário Rui Silva e eu próprio realizámos uma análise da indústria transformadora da região Norte, que poderia ser facilmente estendida ao Centro mais industrializado, concluindo que as virtuosidades do sistema dinâmico de PME careciam de unidades de investimento estruturante, designadamente de Investimento Direto Estrangeiro (IDE), suscetíveis de gerar nesse sistema efeitos de aglomeração e de escala, com repercussão na produtividade e no crescimento económico. Penso que, de certo modo, o estudo mais recente e com uma metodologia mais moderna realizado pelo meu colega de blogue Freire de Sousa, Guilherme Costa e Rui Moreira, fornece pistas semelhantes. O exemplo dos efeitos que a implantação do Grupo BOSCH em Braga está a produzir na chamada economia do Quadrilátero Ave-Cávado vai no sentido da relevância das tais unidades de investimento estruturante. Existem assim lacunas não só de política industrial e de inovação, mas também de atração de IDE, que tenham em conta a necessidade de assegurar uma massa crítica mais significativa de investimento nos sistemas dinâmicos de PME que o Norte e o Centro mais industrializados protagonizam.
Devo dizer que nada se avista fora da barra quanto a estas perspetivas.
A outra questão relevante é a de saber que nova perspetiva irá 2026 (e os anos seguintes) trazer acerca da capacidade de a estrutura produtiva existente em Portugal absorver com remunerações adequadas a melhoria de qualificações superiores e intermédias que o sistema de educação e formação está a diplomar. Sabemos que a estrutura de qualificações do emprego registado pelos Quadros de Pessoal tem acusado lenta, mas progressivamente, a referida melhoria de qualificações superiores e intermédias a que me referi, mas não é seguro que essa evolução esteja a ser concretizada com a esperada melhoria salarial. Também aqui existe uma massa crítica de inércia de baixas qualificações no emprego que a formação profissional não tem conseguido com abrangência mitigar. E será também necessário demonstrar que a aludida melhoria de qualificações está a repercutir-se no rejuvenescimento e no aumento de capacidade de gestão das empresas que integram o tal sistema dinâmico de PME objeto das considerações anteriores.
E, por esta via, chego à terceira questão atrás enunciada, que resulta da decisão do ministro Fernando Alexandre de fundir a FCT e a ANI numa nova agência de inovação. Vamos entrar em 2026 com esta questão ao rubro. Basta estar atento aos inúmeros artigos de opinião que a questão suscitou, sobretudo na comunidade científica, a qual, algo hipocritamente, porque não conheço instituição mais criticada do que a FCT, atacou por vezes com alguma agressividade a decisão ministerial. Creio que o debate suscitado muito pouco ajudou a uma sólida discussão sobre como melhorar as condições de translação do conhecimento científico produzido em Portugal quer para a criação de valor económico, quer para a melhoria da qualidade dos serviços públicos, designadamente em termos de conteúdo de conhecimento.
Aceito que possa discutir-se se é ou não necessária uma agência em Portugal para coordenar e dinamizar a investigação científica. Mas essa questão tem de ter um escrutínio democrático e não corporativo. O lugar da investigação básica ou fundamental num país de médio rendimento como Portugal exige uma discussão aberta e profunda. Sabemos o risco dessa investigação fundamental, quando ela é de qualidade e notável entre pares europeus e internacionais, de ser apropriada por países e estruturas produtivas mais avançadas. É um risco que valerá seguramente correr quando se trata de investigação fundamental com impacto sistémico e alimentar processos de translação de conhecimento que a investigação mais aplicada esteja já a desenvolver. Tudo isto me parece matéria válida para um debate franco e aberto, mas nunca corporativo. Mas o que sei é que um país como Portugal, a braços com uma mudança estrutural reconhecidamente necessária e com exigências de incorporação de mais conhecimento na sua estrutura produtiva, tem de privilegiar a organização e coordenação dos processos de translação de conhecimento, criando os espaços, os ambientes e as instituições propícias a essa translação. É nesta última aceção que encaro a criação de uma Agência de Inovação de largo espectro e não uma agência de trazer por casa que a ANI foi em alguns períodos (retiro desta afirmação o período em que o Engª José Carlos Caldeira (INESC TEC) dirigiu incansavelmente aquela agência).
Posso aceitar que a comunidade científica de maior prestígio (as ciências da vida e da saúde e as engenharias) se sinta desprotegida sob a tutela da nova Agência. Se essa convicção existe, então a comunidade científica deve lutar politicamente por uma FCT renovada e com mais sensibilidade para entender que o país está diferente. E também reconheço que não é em si a criação da nova Agência de Fernando Alexandre que assegurará por si só que a translação de conhecimento e a cooperação entre a ciência e as empresas emergirá como algo de espontâneo.
Para ajudar a este debate, abri este post com um gráfico elaborado com os dados de 2023, em que se mapificam os pares de valores de I&D total (eixo dos xx) e de I&D empresarial (eixo dos YY) em percentagem do PIB das NUTS III em que a I&D é realizada. O país está diferente em termos de I&D total e de I&D empresarial, sobretudo quando olhamos para o território. Não vi esta realidade representada no debate que tem andado quente por aí. A ideia da centralidade da Grande Lisboa esboroa-se neste gráfico. Resta-me saber se, após o impulso garantido pelo PRR e pelos Programas Regionais nesta matéria, este momentum vai ser sustentado. Se o for é matéria essencial para a nova Agência.
Nota final
Com as necessárias cautelas suscitadas por este tempo invernoso e com as várias gripes a rondar por aí, uma reunião entre Amigos próximos representará o contexto das entradas em 2026, com ou sem interrogações económicas, isso é o que menos interessa.
Ao meu colega de blogue (e obviamente também à Elisa Ferreira) e a todos os leitores heroicos destas reflexões desejo um 2026 o melhor possível, com saúde, companhia e dinheiro para gastos e que todos encontrem nas dificuldades que estes tempos nos suscitam o estímulo para estarmos despertos e atuantes.
Feliz 2026 a todos.