[go: up one dir, main page]

quarta-feira, 31 de dezembro de 2025

INTERROGAÇÕES ECONÓMICAS DE 2026 (TAKE 3)

 


(Seria impensável que nesta série de interrogações não dedicasse uma reflexão, pequena e modesta que seja, à economia portuguesa. Poderão alguns retorquir que as interrogações sobre a economia portuguesa são as de sempre e que 2026 não representará um foco propriamente dito de interrogação. Ainda assim, principalmente porque a economia portuguesa acabou por ter uma notoriedade internacional com a chancela do Economist que foi habilmente utilizada pelo Governo para proclamar a sua incompreensão relativamente à greve geral que reuniu o acordo das duas centrais sindicais. Mais do que um cético inveterado, considero-me um otimista crítico e por isso não desvalorizo a notoriedade que a dinâmica da economia portuguesa revelou em 2025, o que não significa de todo embarcar na demagogia da mensagem governativa. Temos crescido acima da média europeia, confirmando a convergência esperada dos países “followers” com nível de desenvolvimento económico mais baixo que tiram partido da difusão do progresso tecnológico, o que não é coisa pouca e para ser desvalorizada. Sabemos ainda que essa convergência mais recente não é produto de apenas um governo com uma dada orientação política, ela já se manifestava nos governos do PS e isso é uma boa notícia, pois mostra que a economia acomodou bem a alternância democrática. À paridade de poder de compra, essa convergência determinou que, em 2024, o PIB per capita português se situasse em 82,4% do da média da União, com a evidência adicional de que em termos de consumo per capita essa percentagem fosse ligeiramente superior, atingindo os 85,7%. A capacidade de criação de novos empregos tem-se mantido a um nível relevante e o nível relativamente contido do desemprego observado em contexto de aumento da população imigrada no emprego total significa que, a existir destruição criadora, ela está relativamente contida do ponto de vista do emprego destruído sem alternativa de novas ocupações. E, finalmente, a variação do índice do custo do trabalho, essencialmente determinado pelos custos salariais, evidencia em 2023 e 2024 uma tendência crescente, com relevo para a variação homóloga do último trimestre de 2024, que atingiu os dois dígitos. Entretanto, apesar desta convergência, a inércia da pobreza incompressível, não ignorando a redução efetiva dos níveis de pobreza absoluta e de população em risco de pobreza, continua a fazer-se sentir, o que sugere que a economia portuguesa continua a não proporcionar os níveis de affordability desejáveis a uma parte ainda considerável da sua população, com destaque último para os problemas de habitação).

A resposta a esta forte limitação do desempenho económico do país passa pela produção de resultados mais amplos em relação a dois problemas centrais e pela procura de uma saída mais airosa para a questão suscitada pela decisão do ministro Fernando Alexandre de extinguir a FCT e a ANI numa única agência de inovação, matéria central para discutirmos as relações expectáveis no Portugal de hoje entre a ciência, a tecnologia, a inovação e o desenvolvimento económico.

As duas primeiras questões a que me referi estão em meu entender já suficientemente diagnosticadas, sendo por isso relativamente simples colocá-las na perspetiva das interrogações para 2026.

A primeira dessas questões prende-se com a evidência que temos sobre a existência de um fosso considerável, medido por vários indicadores (produtividade, estrutura de qualificações, eficiência de gestão e outros), entre um núcleo de empresas e grupos empresariais com desempenhos de gestão e inovação comparáveis com a fronteira tecnológica europeia e uma massa imensa de pequenas e médias empresas que vão resistindo, mas que demoram uma eternidade, se o conseguirem, a aproximar-se dos níveis de desempenho das primeiras. A desproporção existente entre os dois grupos em matéria de número de unidades é imensa, em termos de emprego é menor, sendo possível concluir que o dinamismo das primeiras não é suficiente em termos de intensidade e de abrangência para se repercutir nos níveis globais de produto e de produtividade do país.

Pode questionar-se que modelo de relacionamento existe entre os dois grupos e se esse modelo de relacionamento potencia ou inibe a geração de efeitos de spillover dissemináveis por toda a economia. O problema não está suficientemente estudado na investigação disponível, mas existe evidência para alguns grupos, caso exemplar da AutoEuropa, de que as redes de subcontratação animadas pelo grupo alemão se têm repercutido muito favoravelmente na certificação e apuros de gestão para a qualidade, gerando por essa via melhorias de gestão e produtividade no sistema de relações inter-industriais que gira em torno da AutoEuropa. Não existe evidência segura de que este modelo virtuoso da subcontratação esteja a disseminar-se por outras indústrias e, o que também é importante, se essa natureza virtuosa é suficiente para permitir que as PME envolvidas possam escapar à dependência de mercado que esse relacionamento tende a gerar.

Em estudo realizado lá muito atrás no tempo para a AEP, os meus colegas José Costa (que recordamos com saudade) e Mário Rui Silva e eu próprio realizámos uma análise da indústria transformadora da região Norte, que poderia ser facilmente estendida ao Centro mais industrializado, concluindo que as virtuosidades do sistema dinâmico de PME careciam de unidades de investimento estruturante, designadamente de Investimento Direto Estrangeiro (IDE), suscetíveis de gerar nesse sistema efeitos de aglomeração e de escala, com repercussão na produtividade e no crescimento económico. Penso que, de certo modo, o estudo mais recente e com uma metodologia mais moderna realizado pelo meu colega de blogue Freire de Sousa, Guilherme Costa e Rui Moreira, fornece pistas semelhantes. O exemplo dos efeitos que a implantação do Grupo BOSCH em Braga está a produzir na chamada economia do Quadrilátero Ave-Cávado vai no sentido da relevância das tais unidades de investimento estruturante. Existem assim lacunas não só de política industrial e de inovação, mas também de atração de IDE, que tenham em conta a necessidade de assegurar uma massa crítica mais significativa de investimento nos sistemas dinâmicos de PME que o Norte e o Centro mais industrializados protagonizam.

Devo dizer que nada se avista fora da barra quanto a estas perspetivas.

A outra questão relevante é a de saber que nova perspetiva irá 2026 (e os anos seguintes) trazer acerca da capacidade de a estrutura produtiva existente em Portugal absorver com remunerações adequadas a melhoria de qualificações superiores e intermédias que o sistema de educação e formação está a diplomar. Sabemos que a estrutura de qualificações do emprego registado pelos Quadros de Pessoal tem acusado lenta, mas progressivamente, a referida melhoria de qualificações superiores e intermédias a que me referi, mas não é seguro que essa evolução esteja a ser concretizada com a esperada melhoria salarial. Também aqui existe uma massa crítica de inércia de baixas qualificações no emprego que a formação profissional não tem conseguido com abrangência mitigar. E será também necessário demonstrar que a aludida melhoria de qualificações está a repercutir-se no rejuvenescimento e no aumento de capacidade de gestão das empresas que integram o tal sistema dinâmico de PME objeto das considerações anteriores.

E, por esta via, chego à terceira questão atrás enunciada, que resulta da decisão do ministro Fernando Alexandre de fundir a FCT e a ANI numa nova agência de inovação. Vamos entrar em 2026 com esta questão ao rubro. Basta estar atento aos inúmeros artigos de opinião que a questão suscitou, sobretudo na comunidade científica, a qual, algo hipocritamente, porque não conheço instituição mais criticada do que a FCT, atacou por vezes com alguma agressividade a decisão ministerial. Creio que o debate suscitado muito pouco ajudou a uma sólida discussão sobre como melhorar as condições de translação do conhecimento científico produzido em Portugal quer para a criação de valor económico, quer para a melhoria da qualidade dos serviços públicos, designadamente em termos de conteúdo de conhecimento.

Aceito que possa discutir-se se é ou não necessária uma agência em Portugal para coordenar e dinamizar a investigação científica. Mas essa questão tem de ter um escrutínio democrático e não corporativo. O lugar da investigação básica ou fundamental num país de médio rendimento como Portugal exige uma discussão aberta e profunda. Sabemos o risco dessa investigação fundamental, quando ela é de qualidade e notável entre pares europeus e internacionais, de ser apropriada por países e estruturas produtivas mais avançadas. É um risco que valerá seguramente correr quando se trata de investigação fundamental com impacto sistémico e alimentar processos de translação de conhecimento que a investigação mais aplicada esteja já a desenvolver. Tudo isto me parece matéria válida para um debate franco e aberto, mas nunca corporativo. Mas o que sei é que um país como Portugal, a braços com uma mudança estrutural reconhecidamente necessária e com exigências de incorporação de mais conhecimento na sua estrutura produtiva, tem de privilegiar a organização e coordenação dos processos de translação de conhecimento, criando os espaços, os ambientes e as instituições propícias a essa translação. É nesta última aceção que encaro a criação de uma Agência de Inovação de largo espectro e não uma agência de trazer por casa que a ANI foi em alguns períodos (retiro desta afirmação o período em que o Engª José Carlos Caldeira (INESC TEC) dirigiu incansavelmente aquela agência).

Posso aceitar que a comunidade científica de maior prestígio (as ciências da vida e da saúde e as engenharias) se sinta desprotegida sob a tutela da nova Agência. Se essa convicção existe, então a comunidade científica deve lutar politicamente por uma FCT renovada e com mais sensibilidade para entender que o país está diferente. E também reconheço que não é em si a criação da nova Agência de Fernando Alexandre que assegurará por si só que a translação de conhecimento e a cooperação entre a ciência e as empresas emergirá como algo de espontâneo.

Para ajudar a este debate, abri este post com um gráfico elaborado com os dados de 2023, em que se mapificam os pares de valores de I&D total (eixo dos xx) e de I&D empresarial (eixo dos YY) em percentagem do PIB das NUTS III em que a I&D é realizada. O país está diferente em termos de I&D total e de I&D empresarial, sobretudo quando olhamos para o território. Não vi esta realidade representada no debate que tem andado quente por aí. A ideia da centralidade da Grande Lisboa esboroa-se neste gráfico. Resta-me saber se, após o impulso garantido pelo PRR e pelos Programas Regionais nesta matéria, este momentum vai ser sustentado. Se o for é matéria essencial para a nova Agência.

 

Nota final

Com as necessárias cautelas suscitadas por este tempo invernoso e com as várias gripes a rondar por aí, uma reunião entre Amigos próximos representará o contexto das entradas em 2026, com ou sem interrogações económicas, isso é o que menos interessa.

Ao meu colega de blogue (e obviamente também à Elisa Ferreira) e a todos os leitores heroicos destas reflexões desejo um 2026 o melhor possível, com saúde, companhia e dinheiro para gastos e que todos encontrem nas dificuldades que estes tempos nos suscitam o estímulo para estarmos despertos e atuantes.

Feliz 2026 a todos.

 

EM RESUMO...

 
(Andrés Rábago García, “El Roto”, http://elpais.com)

2025 foi um ano terrível no plano de uma convivência pacífica e regrada à escala mundial, tendo provavelmente ficado para a História como o de uma viragem súbita na ordem internacional em que nos habituáramos a viver, por muitos escolhos que a mesma contivesse. Tanta foi a insanidade que nos foi servida que se torna fácil formular votos para 2026 – pois que o que podemos desejar com razoabilidade é que alguma coisa melhore de entre as inúmeras que correm mal ou péssimo em várias zonas do Globo (da Ucrânia ao Médio Oriente, da Venezuela à Nigéria, da Somália à Síria, and so on) ou no plano da vida social, económica e política das nossas sociedades (da ascensão da extrema-direita à falta de valores e de um rumo com liderança, do recuo no combate às alterações climáticas à aceleração do rearmamento, do declínio do Estado Social às manifestações de divisionismo e impotência que ameaçam a construção europeia). Assim seja, portanto, sem esquecer a continuada e/ou renovada presença do mais importante no plano individual: saúde, amor e o dinheiro bastante para satisfazer as necessidades básicas deste tempo. Bom Ano!

INTERROGAÇÕES ECONÓMICAS DE 2026 (TAKE 2)

 

                                         

(Prosseguindo esta série de fim e de início de ano, vou dedicar alguma atenção a uma das grandes interrogações económicas de 2026, a de saber se o declínio económico alemão é real, meramente conjuntural ou sinal de uma mudança estrutural mais vasta e provavelmente mais lenta do que o esperado, seja em termos da procura de um novo paradigma energético, seja do ponto de vista da adaptação aos novos rumos da economia global. Esta reflexão não pode ignorar que já estamos no domínio de uma intervenção de grande escala do governo de Merz. O gráfico que abre esta reflexão mostra que, em comparação com a reunificação, mais propriamente a absorção da Alemanha de Leste na sequência da queda do Muro de Berlim, e com o Plano Marshall, o plano Merz não é coisa pouca. As três dimensões do chamado pacote fiscal de Merz, envolvendo investimentos em defesa, infraestruturas e agenda climática, asseguram um impacto em matéria de despesa pública muito considerável, tomando como termo de comparação os dois já referidos momentos estruturais. Esta interrogação económica não se abate apenas sobre os alemães, estendendo-se naturalmente a toda a União Europeia. Ainda há relativamente pouco tempo, existia a ideia de que na União Europeia apenas as economias como Portugal estavam em contraciclo sujeitas a um processo de mudança estrutural que era difícil acomodar com as regras do mercado único europeu. Ora, em pouco tempo, compreende-se que isso deixou de ser assim. A pretensamente motora economia da União está ela própria num profundo e imbricado processo de mudança estrutural, que talvez ajude a reconsiderar o que pode ser na prática a solidariedade intraeuropeia.)

                                                 Fonte: Flaccadoro, 2024)
 

último relatório publicado do muito prestigiado German Council of Economic Experts começa perentoriamente com as seguintes afirmações: “A economia alemã está a estagnar este ano, depois de ter vivenciado uma recessão em 2023 e 2024 de acordo com os últimos dados disponíveis. Além destes fatores cíclicos, esta debilidade reflete mudanças estruturais e alterações geopolíticas que estão a penalizar o modelo tradicional de exportação alemão. No contexto de uma ordem geopolítica em transformação e da crescente incerteza sobre a fiabilidade das garantias de segurança americanas para os membros europeus da NATO, os referenciais de longo prazo económicos e de segurança estão sob uma intensa pressão para se adaptarem. Em simultâneo, a continuada fragmentação do mercado único europeu de bens, serviços e capitais inibe a Europa de construir uma resposta efetiva a estes desafios globais. Contudo, a presente debilidade económica alemã não é apenas explicada por estes fatores externos. Aspetos internos como o declínio sustentado da competitividade das indústrias alemãs e o envelhecimento demográfico em curso são também fatores que contribuem para isso.”

Mesmo não entrando na questão de saber se existe um declínio económico alemão, já que a ideia de declínio requer uma perspetiva de afundamento de longo prazo que não parece existir na economia alemã, é inequívoco que esta vive um período de perturbação, concentrado sobretudo na sua indústria transformadora. Os números não enganam a partir dos fins de 2021, tendo o produto da indústria transformadora em fins de 2024 ficado abaixo dos níveis observados antes da pandemia. Essa perturbação (Marco Flaccadoro, fevereiro de 2025[1]) é o resultado da combinação de três fatores – a subida dos custos da energia, uma procura enfraquecida e uma indústria automóvel que mostra sinais de declínio face às grandes tendências do setor.

A queda dos índices de crescimento do produto da indústria transformadora (IT) alemã, mimeticamente seguido pelo indicador equivalente da zona euro, representa uma espécie de prolongamento pandémico. A pandemia já acabou, mas dá a impressão de que os efeitos entretanto observados na IT alemã tendem a ser persistentes, como se o traço pandémico permanecesse atuante.

O economista italiano atrás referido salienta que é necessário ir fundo na análise para tentar compreender as razões da economia alemão ter sido mais fortemente impactada pela subida dos custos de energia do que a restante economia europeia. O peso do gás natural nos processos produtivos alemães não é substancialmente distinto do observado noutros países, sendo necessário reportar à indústria química alemã para compreender por que razão a disrupção energética impactou através das relações interindustriais em que aquela indústria é protagonista. De facto, a queda dos índices de produção nos setores industriais intensivos em energia é francamente mais acentuada do que a observada no gráfico anterior. Esta questão reporta-nos à estranheza desta especificidade energética da indústria alemã ter sido desvalorizada por Merkel e os seus governos e ter por isso sido apanhada em flagrante dependência face ao gás natural russo. Há comportamentos que é difícil entender e esta passividade energética alemã dá que pensar. Sendo conhecidas as ramificações que a empresa russa GAZPROM manteve com a economia alemã, aquela passividade pode ter múltiplas interpretações e dificilmente Merkel poderá passar por cima das mesmas nas suas memórias.

Mas além da passividade energética cuja fatura está a ser pesada, o que parece ter existido é uma combinação perversa e interdependente dos três fatores atrás mencionados. 

                                                            (Fonte: Flaccadoro, 2024)

Tendemos por vezes a ignorar que o colosso económico alemão é um colosso extrovertido, isto é, mais extrovertido do que a grande maioria dos países europeus de importância económica mais próxima. Cerca de 34% do produto alemão é exportado. Numa economia mundial fraturada como a que está em operação, os mais extrovertidos tendem a sentir mais a perturbação, sobretudo se se tratar de colossos económicos pouco flexíveis e ágeis na busca de alternativas de destino para os seus bens e serviços. O crescimento das exportações alemãs ficou aquém do da zona euro como um todo e não dá sinais de recuperar a superioridade que manteve até à pandemia. É nesta dimensão que os problemas da indústria automóvel alemã podem ser considerados uma ilustração perfeita da quebra de ritmo das exportações alemãs em geral.

Já muita gente esqueceu o grave incidente da falcatrua em que a VOLKSWAGEN incorreu a propósito da adulteração da veracidade dos indicadores de emissão de gases das suas viaturas. Num contexto em que a confiança na fiabilidade do produto alemão era a marca da sua engenharia, essa quebra de lisura em matéria de sustentabilidade ambiental da indústria automóvel alemã parece ter antecipado a sua dificuldade em acompanhar de forma competitiva a transição elétrica. A superioridade chinesa nessa matéria, não interessa agora reconhecer que ela resulta de uma intervenção estatal penalizadora da concorrência, abate-se sobre o mercado interno automóvel europeu, atingindo com força as exportações alemãs para esse mercado. Basta estar atento ao comportamento do mercado português e ao crescimento dos BYD e outros modelos chineses que tenderão a suplantar o fenómeno TESLA para compreender que a indústria alemã está em apuros. Alem disso, não se vislumbra um exemplo similar ao Peugeot E-2008 para assinalar a recuperação da engenharia automóvel alemã.

E, más notícias para a zona euro, a investigação da equipa de Flaccadoro conclui que os “spillovers” das perturbações da indústria transformadora alemã em alguns países europeus superam claramente os que nestes últimos poderão ocorrer para a economia alemã.

Analisando este problema do ponto de vista das interrogações económicas para 2026, a principal indeterminação com que entramos em 2026 é a da rapidez e consistência com que a economia alemã realizará a mudança estrutural que lhe é imposta pela fatura energética e pela fragmentação da economia mundial e excedentes massivos chineses. Sabemos que, em três décadas e meia até à pandemia, a economia alemã viu diminuir o emprego na indústria transformadora em cerca de 1,5 milhões de trabalhadores, mas no início da década de 2000 cerca de metade desses trabalhadores encontrou emprego em indústrias de serviços, mantendo ocupações do tipo da indústria transformadora (Dominik Boddin e Thilo Kroeger, 2025, 17 de dezembro[2]. O que significa que o declínio líquido calculado com base nas ocupações e tarefas desempenhadas não ultrapassava os 500.000 trabalhadores. É, pois, de uma mudança estrutural que se trata.

O curioso da questão é que, ao contrário do que pensávamos, não são apenas as economias como Portugal que têm de acomodar a sua mudança estrutural. Também a economia pretensamente motora do crescimento europeu está numa intensa mudança estrutural. Terá a economia alemã a agilidade e a flexibilidade necessárias para acelerar com êxito essa mudança estrutural?

Essa é para mim a grande interrogação e muito provavelmente o horizonte de 2026 não será suficiente para termos uma resposta completa e cabal a essa questão.

 

terça-feira, 30 de dezembro de 2025

A PERVERSIDADE DE UM MODELO MANIFESTA-SE

 

(Não é novidade para ninguém que sou fundamentalmente contra o modelo de governação definido nos tempos de António Costa e reforçado nos governos AD para as Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional. Trata-se de uma tentativa canhestra de aproximação à regionalização e em linguagem popular é um modelo que nem é carne nem é peixe. As Comissões de Coordenação, como a sua designação indica, são em princípio órgãos de coordenação da atividade governativa nos territórios NUTS II e à medida que se for ampliando os setores da governação abrangidos tem aumentado o número de vice-presidentes, pelas minhas contas o número já vai em cinco personalidades para a generalidade das CCDR, com exceção do Algarve que conta com quatro vice-presidentes. A coordenação da atividade governativa no território das CCDR em função das características e das estratégias de desenvolvimento delineadas para esses mesmos territórios (para efeito da aplicação dos Fundos Europeus existem estratégias de desenvolvimento regional definidas e aprovadas em sede de Conselho Regional) é uma tarefa essencialmente descendente e daí que “as atuais CCDR passam a constituir -se como institutos públicos, integrando as diversas políticas públicas que prosseguem estratégias de promoção do desenvolvimento integrado do território” (preâmbulo do Decreto-Lei nº 36/2023 de 26 de maio). O modelo de governação é híbrido porque o Presidente é eleito a partir de um colégio eleitoral composto por Presidentes das Câmaras Municipais, Presidentes das Assembleias Municipais, vereadores eleitos, deputados municipais incluindo presidentes das Juntas de Freguesia. Quanto aos vice-presidentes eles tanto podem ser indicados pelos Presidentes das Câmaras Municipais da NUTS II respetiva, como pelos membros do Conselho Regional, como indicados pelo Governo, com destaque para a prorrogativa do ministro da Agricultura indicar um vice-Presidente seu representante. Esclareça-se, finalmente, que o anteriormente referido Decreto-Lei nº 36/2023 tem sido objeto de sucessivas alterações para refletir na composição do conselho diretivo das CCDR e nas suas atribuições as alterações de orgânica da administração central entretanto observadas, o que não facilita a legibilidade das alterações.)

Tal como o enunciei em reflexões anteriores, o que não me agrada neste modelo é sobretudo a simbiose entre orientações de cima para baixo próprias da coordenação da máquina do Estado nos territórios em causa e a participação ascendente do poder local, designadamente na eleição do Presidente do Conselho Diretivo em colégio eleitoral constituído para o efeito.

A perversidade do modelo veio de novo ao de cima com a preparação dos processos de substituição dos Conselhos Diretivos das cinco CCDR após a conclusão dos respetivos mandatos. Surgiram alguns nomes nos contactos de proximidade, designadamente no Norte e no Centro, que me criaram algumas expectativas. No Norte ouvi falar da possível eleição de Ricardo Rio, ex-Presidente da Câmara Municipal de Braga, que em meu entender daria um excelente Presidente e no Centro o nome de Paulo Fernandes (ex-presidente da Câmara Municipal do Fundão) encheu-me de esperança, já que o considero o melhor autarca deste país, com uma sensibilidade à territorialização das políticas verdadeiramente notável e com uma participação extremamente ativa nos trabalhos de planeamento da CCDR Centro. Devo dizer que as minhas expectativas foram goradas e que cedo me apercebi que as costumeiras negociatas políticas entre o PSD e o PS trouxeram para o terreno da eleição possível os nomes de Álvaro Santos (que não aquece sequer o seu lugar de Vice-Presidente da Câmara Municipal de Gaia) para o Norte e de Ribau Esteves para o Centro, perfis marcadamente políticos e claramente opostos aos nomes que me criaram alguma ilusão.

Entretanto, o meu colega de blogue, que conhece bem os efeitos perniciosos destas negociatas políticas, proporcionadas pela avidez partidária de lugares de realce e pela perversidade do próprio modelo que convida a estas manobras palacianas, analisou com pertinência a perturbação criada pelo facto do atual Presidente da CCDR Norte, Professor Engenheiro António Cunha, que já foi Reitor da Universidade do Minho, se ter rebelado contra a negociata partidária e se apresentar à eleição para um possível novo mandato, com respaldo de um conjunto de notáveis, que podemos considerar os do costume, uma espécie de senadores do Norte. O curioso desta questão é que António Cunha chegou à Presidência da CCDR Norte através também de um acordo partidário entre o PS e o PSD e revolta-se agora contra exatamente a mesma prática que o colocou na Presidência. A perversidade do modelo faz com que todo este processo aconteça sem um escrutínio democrático minimamente participado. Quase apostaria que esta questão vai ter nas assembleias municipais uma total ausência de discussão política. Estamos no domínio mais puro do palaciano. A este simulacro de descentralização política preferiria uma situação em que o governo assumiria a responsabilidade política de indicar as presidências das CCDR. Era mais claro, mas o modelo legislativo adotado optou pela miscelânea. Em meu entender, nem a territorialização das políticas públicas sai beneficiada, nem a prática política favorecedora de uma consciência regional que não existe é estimulada.

No caso do Norte, sem menosprezo pelo esforço empenhado de Álvaro Santos, cuja experiência profissional considero, talvez possa dizer-se que a continuidade do Professor António Cunha estaria mais em linha com o prestígio de outras Presidências no passado. Vai ser interessante analisar como o mundo autárquico que integra o Colégio Eleitoral vai reagir a este imbróglio, validando a negociata político-partidária ou sancionando positivamente o exercício da Presidência de António Cunha. Qual a lógica que prevalecerá? Será sempre uma oportunidade de medir o pulso a uma “Região” que não existe e cuja consciência regional só a prática concreta do planeamento poderá constituir.

O caso do Centro é distinto, pois tem uma maior experiência de Presidências mais marcadamente políticas, designadamente antes do exercício de Isabel Damasceno cuja Presidência foi marcadamente integradora. O nome de Ribau Esteves não engana ninguém. Para lá da sua real eficácia como autarca, tenderá sempre a assumir uma Presidência marcadamente política, veremos até que ponto terá força suficiente para se afirmar face à governação central.